off. :
Olá, meu caro narrador! Primeiramente, muito obrigado por assumir essa rota minha com o KB, que em breve vai estar postando aqui. Segundamente, Vasco. Por fim, espero que tenhamos uma ótima rota para todo mundo, e antes da gente realmente entrar, eu gostaria de capturar um Slowpoke — que é duas estrelas aqui, então é uma mão na roda, não? O caminho que eu e Karinna vamos tomar é o seguinte: Rota 10 Alola > Rota 10 Alola Trajeto da Mata > Rota 12 Galarian forms. Qualquer coisa, só mandar uma MP ou me procurar no discord.
E, antes que me esqueça, mil perdões por essa bíblia.
Agora vamos pro que interessa, não é?
E, antes que me esqueça, mil perdões por essa bíblia.
Agora vamos pro que interessa, não é?
Nostalgia. É uma palavra que vem do grego, uma junção entre a expressão nostos (que significa “reencontro”) e álgos (“dor” ou “sofrimento”). Corriqueiramente, nos remete às saudades do passado: pessoas, experiências, texturas, sabores ou infindáveis coisas que poderia citar aqui. Quiçá, um sinônimo para saudade; uma idealização desse sentimento, que traz um emaranhado paradoxal de esperanças e melancolias de algo que passou à frente de nossas vistas, e por forças maiores, tiveram de ser deixadas para trás. Para alguns, uma ruína; para outros, incentivo e expectativas. Em apenas nove letras, pode-se constituir um microuniverso dentro de cada ser vivo que constitui todo um planeta, que é apenas mais um no meio de um infinito universo.
Um desses universos sentia essa sinestesia desordenada que percorria cada músculo e sentimento — isto é, se ele transparecesse. A nostalgia de sua terra natal percorria cada célula do corpo de Nicholas como uma corrente elétrica passa por um circuito em sua velocidade esplêndida, que fê-lo repensar até mesmo todos os planos que traçara desde que retornou de Johto com Emma. A loura ficara por Mauville por ter os seus motivos, e Nico, claro, tinha de regressar ao continente que abraçava seu corpo e consciência com sua atmosfera saudosa e sempre tão cálida ao seu âmago.
Gostaria de regressar à Pallet, contudo, desviaria na direção de Lavender, a cidade fantasma de Kanto, conhecida por sua torre ritualística às almas que deixaram seus corpos. A Sienna Co., responsável pela reconstrução de Tohjo — benditos sejam! — acabou por ter problemas no carregamento de algumas espécies de outro continente, e caso a ocorrência não fosse resolvida, acarretaria em problemas infinitos para a população local — em casos mais graves, a extinção de espécimes daquele local ou a migração para outro ambiente, alterando toda a dinâmica anteriormente já estabelecida.
Mas, oh, apenas de colocar os seus sapatos sobre a terra que sempre lhe fora tão aprazível satisfaria a lancinada e perturbada alma do louro. Era o suficiente; bastava-lhe apenas recordar de todas as suas experiências durante sua infância — queria esquecer, de todo o modo, os momentos finais de Kanto antes de partir para Hoenn.
Estava em Mauville ainda, prestes a pegar o avião que o levaria de volta a Kanto. Antes de poder embarcar, a mão destra, vagarosa, buscou a esfera bicolor de seu inicial reptiliano, materializando seu ás ao seu lado, o monstrinho cujo derramava toda a sua confiança; mesmo com personalidades e características díspares, ainda funcionavam como um só — explique-me, ciência, os mistérios desse universo tão único que são os sentimentos. Charmeleon coçava suas pálpebras, como se despertasse de seu sono. Acostumado a ser liberto em situações melindrosas em que requeria sua força, olhou, confuso, para lá e para cá; achara apenas um pacato ambiente urbano, que fez os olhinhos repousarem sobre o cenho sisudo de seu mestre. O lagarto estava um pouco confuso.
— Não se preocupe, não é nada demais — murmurou, brando, dando alguns passos à frente com a passagem em sua mão esquerda. — Só quero que me acompanhe na viagem. Já faz um bom tempo que não fazemos nada juntos — um sorriso discreto tingia os finos lábios do kantoniano. — Você também me faz lembrar de tantas coisas boas, sabe, Charmeleon? A gente tá voltando pra minha terra natal, que é onde, normalmente, encontram-se os outros da sua espécie.
A fila andava e o louro seguia o percurso. Charmeleon apenas coçava a sua nuca sem entender porra nenhuma; enigmático — quiçá, louco —, os orbes olhavam para o teto, com as falanges de uma mão tocando as da outra — estava contando nos dedos? Matutava acerca das palavras do kantoniano que, até então, não faziam sentido. E delongou um bom tempo até que, com o punho direito cerrado, bateu contra o outro membro aberto: a mensagem era mais simples do que parecia, ora. Estava regressando à sua terra de origem e ao continente natal de seu estimado treinador — cujo réptil, em apenas pouco tempo, passara a respeitar e admirar demasiadamente.
Ao voltar para frente, viu Nicholas carimbando a sua passagem e estava prestes a adentrar o avião. Em ímpeto e passos trôpegos, Charmeleon açodara na direção do louro para que não se separassem por um ínfimo descuido.
Os dois adentraram, por fim, no avião, acomodando sobre os assentos marcados previamente no ticket. Charmeleon bocejava, dando alguns tapinhas em sua bocarra além daquele soído espalhafatoso de que estava bocejando. Seu mestre voltou para ele, claramente desgostoso da maneira que seu monstrinho se portava. O inicial coçava a sua nuca e ria, desajeitado, como se pedisse desculpas a Nicholas por suas trapalhadas. Aumentou em poder, tamanho, mas ainda tinha aquele coração tão ingênuo e uma personalidade tão alva como de quando era um Charmander.
Abençoada seja essa união excêntrica do destino.
Partiram. Era um até breve pela terra que acolheu aquela pequena alma refugiada, sempre mergulhada em melancolia ao ver a tempestade avassalar seu lar que tanto lhe era terno. Entretanto, não me leve a mal: a mudança de ares conseguira levantar o astral do louro, mesmo que por pouca coisa. Quem diria que aquele garoto ia encontrar alguém que estivesse disposto a dar a vida depois de um único encontro, em que as almas se conectaram de modo ímpar. Claro, ainda haviam pendências do passado que o kantoniano tinha de resolver: laços a reconstruir, separados pela distância, e onde seus pais estavam, ainda lhe era incógnito.
Permitiu esquecer-se desses detalhes tão cruciais apenas para aproveitar o momento. O reencontro do lar com a alma.
Não delongou até que chegassem ao destino: a cidade de Lavender. Com sua atmosfera ritualística e sepulcral, a cidade de Kanto era atraída por fantasmas — existem relatos de que estes até mesmo interagem com os moradores. Não muito distante, a rota dez era um dos recintos em que a multinacional pedia ajuda às entidades para conter o avanço das espécies estrangeiras. Ali era onde seria o paradeiro do treinador.
Oh, não esqueçamos que, antes de calcorrearem até o real destino, aconteceu algumas coisas repentinas com a dupla, não é?
Nico já conhecia a reputação da cidade, então não temia às aparições feéricas súbitas em sua frente; e, não obstante, teve de enfrentar um Gengar controlado por uma entidade misteriosa que por pouco não lhe ceifou seu fôlego divino. Por outro lado, Charmeleon, ao seu lado, dava alguns saltos, pávido, com as travessuras dos inocentes fantasmas. Vez ou outra, o réptil esbravejava com o ar, e algumas pessoas fitavam-no com olhar de juiz; seu treinador achava graça daquilo. O monstrinho passou a andar agarrado às calças do kantoniano enquanto seguiam na direção do real destino por trás de toda aquela viagem.
Estavam, enfim, na rota dez.
De um lado, o sempre majestoso mar saudava aos transeuntes com os sons harmônicos das ondas quebrando, sempre aprazível aos ouvidos alheios. Um tapete de areia que se estendia horizontalmente até onde as vistas de Nicholas não alcançava estava a praia, e do lado oposto, uma densa mata com árvores próximas umas da outras; uma aquarela de biomas, e em cada um desses locais, estavam humanos acompanhados de seus apetrechos ou monstrinhos a desbravar. Se havia algum mistério por trás de cada um dos ambientes — tal como a história de Lavender —, ficarei devendo a você. Não é de meu conhecimento.
A brisa marítima invadia as narinas do louro. Como é corriqueiro, seu casaco verde flamulava tal sua gravata amarrada espalhafatosamente em seu traje escolar antigo. Cerrou os olhos, inspirando fundo, deixando o ar circular até os seus pulmões. Apesar de ser um elemento físico, o seu corpo respondia-lhe com uma satisfação imaterial: lembra-se da nostalgia?
Nicholas deu alguns passos até pouco antes de adentrar a praia propriamente dita. Um minúsculo patamar separava o pavimento do tapete de areia. Sentou-se, deixando seus pés livres ao se apoiar na mureta — se é que assim posso chamar —; Charmeleon acompanhava-o, sentado também, apenas observando o infinito colosso de água.
— Isso daqui me lembra muito de Pallet, sabia? — comentou, manso, ainda com os orbes cerúleos fixados na figura titânica que se estendia até muito longe. — E com você do meu lado, eu tenho ainda mais memórias. Eu me pergunto se eles estão bem até hoje — ergueu a cabeça, olhando de relance para o firmamento, volvendo a fitar o mar.
Pallet é uma cidade interiorana que se encontra bem afastada dos grandes centros urbanos de Kanto, tendo como única atração o laboratório de Oak. Ao sul da cidade, o mar, figura sempre tão presente na vida do louro que aquele simples ar mais carregado levava-o para tempos atrás em sinestesia tão aprazível. O mundo físico transportava sua alma e consciência para o imaterial; o corpo relaxava, singelo, e um sorriso adornava o seu cenho que sempre fora tão sisudo.
Retornemos à Pallet.
Uma tarde corriqueira, como todos os outros dias se passavam no interior da cidade. Hendo — um amigo de infância de Nico — estugava por entre o chão de terra batida na direção de uma singela residência próxima ao centro geométrico da cidade. Chegou à frente da casa, esbaforido, arqueando o seu tronco e apoiando suas mãos em seu joelho, retomando o ar depois de uma maratona desde sua residência até a de seu amigo. Retomou o fôlego, batendo na madeira, e o soído atraía uma presença humana que abria a porta, recebendo-o com um sorriso. De pele alva e madeixas douradas, trajava um vestido simples com um avental amarrado em seu pescoço: a mão de Nicholas saudava a Henderson.
— Oi, tia — saudou-a James, com um sorriso desconcertado; respirou por mais alguns segundos. — O Nico tá em casa? Eu vi um negócio muito legal e tenho que mostrar pra ele, é rápido.
— Ele tá lá no quarto dele, disse que ia jogar xadrez — riu a mulher. — Você sabe como ele é, né? Gosta de fazer essas coisas mais... diferentes. Se você quiser ir chamar ele, fica à vontade.
— Tá bom, tia. Obrigado! — Henderson aproveitou uma ligeira brecha para adentrar a residência. Na sala de estar, passava por um homem corpulento de madeixas castanha-claras carregando uma marmita amarrada em um pano com um Machop ao seu lado: o pai de Nicholas estava se preparando para ir ao trabalho. — Oi, tio! — saudou-o, mal dando tempo de o homem respondê-lo; Hendo corria pela casa como uma flecha.
A porta do quarto de Nicholas estava fechada. Lá dentro, o garoto — por volta de seus nove anos — fitava atentamente as peças esparsas pelo tabuleiro. Sua mão destra apoiava em seu queixo, a respiração era mais longa para que se concentrasse melhor. Respirou mais fundo, tomando o cavalo em suas mãos com um sorriso convencido: ora, estava prestes a dominar a jogada que tanto almejava. Levantou-a, e prestes a movê-la...
POFT!
James abria a porta do quarto com tudo, sem nem ao menos bater. Inesperado, Nicholas assustou-se, batendo a peça que tinha em sua mão contra mais algumas outras espalhadas ao longo do tabuleiro, derrubando-as no chão — e desarrumando todo o campo como estava montado outrora. O louro volveu seu pescoço para trás, colérico, enquanto Hendo coçava a sua nuca, desconcertado com a reação de seu amigo.
— O que você pensa que tá fazendo pra entrar no meu quarto assim com tudo, seu animal?! Será que você não tem um único neurônio funcionando nessa sua cabeçona, hein?! — bramiu, mexendo seus braços espalhafatosamente.
— Foi mal, Nico, mas você tem que ver um negócio — riu Hendo, e um brilho em seus olhos passou a cintilar, com o louro ficando confuso com aquilo. — Vamo entrar na área que o Oak deixa os pokémons dos treinadores. Eu passei hoje por lá, e vi um Charizard e um Blastoise que são bem maneiros! — exclamou, cerrando os punhos. — É só a gente dar uma frutinha pra eles que a gente consegue até voar nas costas do Charizard e nadar nas costas do Blastoise. Vamo logo!
Nicholas fitou-o, confuso.
— Isso é... sério?
Com toda a empolgação daquele mundo infinito, Hendo balançou a cabeça positivamente. Nicholas disparou, seguindo o moreno por toda a casa para ir ver os monstrinhos que seu amigo havia lhe dito.
— Papai, mamãe, mais tarde eu volto, tá? — inferiu enquanto corria, e agora as duas pequenas flechas disparavam para fora da casa.
Seguiram, até chegar à cerca que separava aquele lado especial do laboratório do renomado cientista com o restante da cidade. Os dois jovens entreolharam-se, concordando em seguir para dentro com um punhado de oran berrys na mão, açodando por meio da ínfima floresta que tinha logo após ao cercado de madeira. Não delongara a chegar em um campo aberto, onde os dois pokémons volveram na direção das crianças, curiosos com a visita incomum. Ao lado direito, o lagarto alado, último estágio evolutivo de Charmander e do lado esquerdo a tartaruga azulada ostentando dois enormes canhões em seu casco, a derradeira evolução de Squirtle.
Os dois monstrinhos saudaram os garotos, que avançaram na direção dos mesmos, entregando-lhes as frutas. Blastoise e Charizard saboreavam os presentes, e logo volviam-se para Nicholas e Hendo em um amical sorriso, apontando paras as costas dos mesmos.
Passaram o restante da tarde ali, com aquelas duas criaturas que apesar de enormes e intimidadores, foram tão aprazíveis e se sentiam acalentadas com a presença juvenil. Alçaram voos com Charizard, nadaram com Blastoise até chegar próximo ao crepúsculo, horário que tinham de voltar às suas casas. Não sei se isso explicaria a ligação atual do louro com Charmeleon, chuto que é apenas uma hipótese minha, um mero narrador.
Assim como volveu ao passado em um passe de mágica com o singelo sibilo do vento marítimo, retornou ao mundo real. Os orbes cerúleos encaravam o horizonte, quiçá mais esperançosos que outrora, apenas com aquele ínfimo lapso de memória que tivera.
Nicholas sentia-se nostálgico. Regressar a Kanto significava muito mais do que capturar espécies novas e melhorar os seus monstrinhos; significava que sua alma finalmente podia descansar, e todas aquelas memórias horripilantes que tivera das últimas ondas varrendo os casebres em Pallet poderiam ser sepultadas nos confins de seu intrínseco.
Ah, nostalgia...
Um desses universos sentia essa sinestesia desordenada que percorria cada músculo e sentimento — isto é, se ele transparecesse. A nostalgia de sua terra natal percorria cada célula do corpo de Nicholas como uma corrente elétrica passa por um circuito em sua velocidade esplêndida, que fê-lo repensar até mesmo todos os planos que traçara desde que retornou de Johto com Emma. A loura ficara por Mauville por ter os seus motivos, e Nico, claro, tinha de regressar ao continente que abraçava seu corpo e consciência com sua atmosfera saudosa e sempre tão cálida ao seu âmago.
Gostaria de regressar à Pallet, contudo, desviaria na direção de Lavender, a cidade fantasma de Kanto, conhecida por sua torre ritualística às almas que deixaram seus corpos. A Sienna Co., responsável pela reconstrução de Tohjo — benditos sejam! — acabou por ter problemas no carregamento de algumas espécies de outro continente, e caso a ocorrência não fosse resolvida, acarretaria em problemas infinitos para a população local — em casos mais graves, a extinção de espécimes daquele local ou a migração para outro ambiente, alterando toda a dinâmica anteriormente já estabelecida.
Mas, oh, apenas de colocar os seus sapatos sobre a terra que sempre lhe fora tão aprazível satisfaria a lancinada e perturbada alma do louro. Era o suficiente; bastava-lhe apenas recordar de todas as suas experiências durante sua infância — queria esquecer, de todo o modo, os momentos finais de Kanto antes de partir para Hoenn.
Estava em Mauville ainda, prestes a pegar o avião que o levaria de volta a Kanto. Antes de poder embarcar, a mão destra, vagarosa, buscou a esfera bicolor de seu inicial reptiliano, materializando seu ás ao seu lado, o monstrinho cujo derramava toda a sua confiança; mesmo com personalidades e características díspares, ainda funcionavam como um só — explique-me, ciência, os mistérios desse universo tão único que são os sentimentos. Charmeleon coçava suas pálpebras, como se despertasse de seu sono. Acostumado a ser liberto em situações melindrosas em que requeria sua força, olhou, confuso, para lá e para cá; achara apenas um pacato ambiente urbano, que fez os olhinhos repousarem sobre o cenho sisudo de seu mestre. O lagarto estava um pouco confuso.
— Não se preocupe, não é nada demais — murmurou, brando, dando alguns passos à frente com a passagem em sua mão esquerda. — Só quero que me acompanhe na viagem. Já faz um bom tempo que não fazemos nada juntos — um sorriso discreto tingia os finos lábios do kantoniano. — Você também me faz lembrar de tantas coisas boas, sabe, Charmeleon? A gente tá voltando pra minha terra natal, que é onde, normalmente, encontram-se os outros da sua espécie.
A fila andava e o louro seguia o percurso. Charmeleon apenas coçava a sua nuca sem entender porra nenhuma; enigmático — quiçá, louco —, os orbes olhavam para o teto, com as falanges de uma mão tocando as da outra — estava contando nos dedos? Matutava acerca das palavras do kantoniano que, até então, não faziam sentido. E delongou um bom tempo até que, com o punho direito cerrado, bateu contra o outro membro aberto: a mensagem era mais simples do que parecia, ora. Estava regressando à sua terra de origem e ao continente natal de seu estimado treinador — cujo réptil, em apenas pouco tempo, passara a respeitar e admirar demasiadamente.
Ao voltar para frente, viu Nicholas carimbando a sua passagem e estava prestes a adentrar o avião. Em ímpeto e passos trôpegos, Charmeleon açodara na direção do louro para que não se separassem por um ínfimo descuido.
Os dois adentraram, por fim, no avião, acomodando sobre os assentos marcados previamente no ticket. Charmeleon bocejava, dando alguns tapinhas em sua bocarra além daquele soído espalhafatoso de que estava bocejando. Seu mestre voltou para ele, claramente desgostoso da maneira que seu monstrinho se portava. O inicial coçava a sua nuca e ria, desajeitado, como se pedisse desculpas a Nicholas por suas trapalhadas. Aumentou em poder, tamanho, mas ainda tinha aquele coração tão ingênuo e uma personalidade tão alva como de quando era um Charmander.
Abençoada seja essa união excêntrica do destino.
Partiram. Era um até breve pela terra que acolheu aquela pequena alma refugiada, sempre mergulhada em melancolia ao ver a tempestade avassalar seu lar que tanto lhe era terno. Entretanto, não me leve a mal: a mudança de ares conseguira levantar o astral do louro, mesmo que por pouca coisa. Quem diria que aquele garoto ia encontrar alguém que estivesse disposto a dar a vida depois de um único encontro, em que as almas se conectaram de modo ímpar. Claro, ainda haviam pendências do passado que o kantoniano tinha de resolver: laços a reconstruir, separados pela distância, e onde seus pais estavam, ainda lhe era incógnito.
Permitiu esquecer-se desses detalhes tão cruciais apenas para aproveitar o momento. O reencontro do lar com a alma.
Não delongou até que chegassem ao destino: a cidade de Lavender. Com sua atmosfera ritualística e sepulcral, a cidade de Kanto era atraída por fantasmas — existem relatos de que estes até mesmo interagem com os moradores. Não muito distante, a rota dez era um dos recintos em que a multinacional pedia ajuda às entidades para conter o avanço das espécies estrangeiras. Ali era onde seria o paradeiro do treinador.
Oh, não esqueçamos que, antes de calcorrearem até o real destino, aconteceu algumas coisas repentinas com a dupla, não é?
Nico já conhecia a reputação da cidade, então não temia às aparições feéricas súbitas em sua frente; e, não obstante, teve de enfrentar um Gengar controlado por uma entidade misteriosa que por pouco não lhe ceifou seu fôlego divino. Por outro lado, Charmeleon, ao seu lado, dava alguns saltos, pávido, com as travessuras dos inocentes fantasmas. Vez ou outra, o réptil esbravejava com o ar, e algumas pessoas fitavam-no com olhar de juiz; seu treinador achava graça daquilo. O monstrinho passou a andar agarrado às calças do kantoniano enquanto seguiam na direção do real destino por trás de toda aquela viagem.
Estavam, enfim, na rota dez.
De um lado, o sempre majestoso mar saudava aos transeuntes com os sons harmônicos das ondas quebrando, sempre aprazível aos ouvidos alheios. Um tapete de areia que se estendia horizontalmente até onde as vistas de Nicholas não alcançava estava a praia, e do lado oposto, uma densa mata com árvores próximas umas da outras; uma aquarela de biomas, e em cada um desses locais, estavam humanos acompanhados de seus apetrechos ou monstrinhos a desbravar. Se havia algum mistério por trás de cada um dos ambientes — tal como a história de Lavender —, ficarei devendo a você. Não é de meu conhecimento.
A brisa marítima invadia as narinas do louro. Como é corriqueiro, seu casaco verde flamulava tal sua gravata amarrada espalhafatosamente em seu traje escolar antigo. Cerrou os olhos, inspirando fundo, deixando o ar circular até os seus pulmões. Apesar de ser um elemento físico, o seu corpo respondia-lhe com uma satisfação imaterial: lembra-se da nostalgia?
Nicholas deu alguns passos até pouco antes de adentrar a praia propriamente dita. Um minúsculo patamar separava o pavimento do tapete de areia. Sentou-se, deixando seus pés livres ao se apoiar na mureta — se é que assim posso chamar —; Charmeleon acompanhava-o, sentado também, apenas observando o infinito colosso de água.
— Isso daqui me lembra muito de Pallet, sabia? — comentou, manso, ainda com os orbes cerúleos fixados na figura titânica que se estendia até muito longe. — E com você do meu lado, eu tenho ainda mais memórias. Eu me pergunto se eles estão bem até hoje — ergueu a cabeça, olhando de relance para o firmamento, volvendo a fitar o mar.
Pallet é uma cidade interiorana que se encontra bem afastada dos grandes centros urbanos de Kanto, tendo como única atração o laboratório de Oak. Ao sul da cidade, o mar, figura sempre tão presente na vida do louro que aquele simples ar mais carregado levava-o para tempos atrás em sinestesia tão aprazível. O mundo físico transportava sua alma e consciência para o imaterial; o corpo relaxava, singelo, e um sorriso adornava o seu cenho que sempre fora tão sisudo.
Retornemos à Pallet.
Uma tarde corriqueira, como todos os outros dias se passavam no interior da cidade. Hendo — um amigo de infância de Nico — estugava por entre o chão de terra batida na direção de uma singela residência próxima ao centro geométrico da cidade. Chegou à frente da casa, esbaforido, arqueando o seu tronco e apoiando suas mãos em seu joelho, retomando o ar depois de uma maratona desde sua residência até a de seu amigo. Retomou o fôlego, batendo na madeira, e o soído atraía uma presença humana que abria a porta, recebendo-o com um sorriso. De pele alva e madeixas douradas, trajava um vestido simples com um avental amarrado em seu pescoço: a mão de Nicholas saudava a Henderson.
— Oi, tia — saudou-a James, com um sorriso desconcertado; respirou por mais alguns segundos. — O Nico tá em casa? Eu vi um negócio muito legal e tenho que mostrar pra ele, é rápido.
— Ele tá lá no quarto dele, disse que ia jogar xadrez — riu a mulher. — Você sabe como ele é, né? Gosta de fazer essas coisas mais... diferentes. Se você quiser ir chamar ele, fica à vontade.
— Tá bom, tia. Obrigado! — Henderson aproveitou uma ligeira brecha para adentrar a residência. Na sala de estar, passava por um homem corpulento de madeixas castanha-claras carregando uma marmita amarrada em um pano com um Machop ao seu lado: o pai de Nicholas estava se preparando para ir ao trabalho. — Oi, tio! — saudou-o, mal dando tempo de o homem respondê-lo; Hendo corria pela casa como uma flecha.
A porta do quarto de Nicholas estava fechada. Lá dentro, o garoto — por volta de seus nove anos — fitava atentamente as peças esparsas pelo tabuleiro. Sua mão destra apoiava em seu queixo, a respiração era mais longa para que se concentrasse melhor. Respirou mais fundo, tomando o cavalo em suas mãos com um sorriso convencido: ora, estava prestes a dominar a jogada que tanto almejava. Levantou-a, e prestes a movê-la...
POFT!
James abria a porta do quarto com tudo, sem nem ao menos bater. Inesperado, Nicholas assustou-se, batendo a peça que tinha em sua mão contra mais algumas outras espalhadas ao longo do tabuleiro, derrubando-as no chão — e desarrumando todo o campo como estava montado outrora. O louro volveu seu pescoço para trás, colérico, enquanto Hendo coçava a sua nuca, desconcertado com a reação de seu amigo.
— O que você pensa que tá fazendo pra entrar no meu quarto assim com tudo, seu animal?! Será que você não tem um único neurônio funcionando nessa sua cabeçona, hein?! — bramiu, mexendo seus braços espalhafatosamente.
— Foi mal, Nico, mas você tem que ver um negócio — riu Hendo, e um brilho em seus olhos passou a cintilar, com o louro ficando confuso com aquilo. — Vamo entrar na área que o Oak deixa os pokémons dos treinadores. Eu passei hoje por lá, e vi um Charizard e um Blastoise que são bem maneiros! — exclamou, cerrando os punhos. — É só a gente dar uma frutinha pra eles que a gente consegue até voar nas costas do Charizard e nadar nas costas do Blastoise. Vamo logo!
Nicholas fitou-o, confuso.
— Isso é... sério?
Com toda a empolgação daquele mundo infinito, Hendo balançou a cabeça positivamente. Nicholas disparou, seguindo o moreno por toda a casa para ir ver os monstrinhos que seu amigo havia lhe dito.
— Papai, mamãe, mais tarde eu volto, tá? — inferiu enquanto corria, e agora as duas pequenas flechas disparavam para fora da casa.
Seguiram, até chegar à cerca que separava aquele lado especial do laboratório do renomado cientista com o restante da cidade. Os dois jovens entreolharam-se, concordando em seguir para dentro com um punhado de oran berrys na mão, açodando por meio da ínfima floresta que tinha logo após ao cercado de madeira. Não delongara a chegar em um campo aberto, onde os dois pokémons volveram na direção das crianças, curiosos com a visita incomum. Ao lado direito, o lagarto alado, último estágio evolutivo de Charmander e do lado esquerdo a tartaruga azulada ostentando dois enormes canhões em seu casco, a derradeira evolução de Squirtle.
Os dois monstrinhos saudaram os garotos, que avançaram na direção dos mesmos, entregando-lhes as frutas. Blastoise e Charizard saboreavam os presentes, e logo volviam-se para Nicholas e Hendo em um amical sorriso, apontando paras as costas dos mesmos.
Passaram o restante da tarde ali, com aquelas duas criaturas que apesar de enormes e intimidadores, foram tão aprazíveis e se sentiam acalentadas com a presença juvenil. Alçaram voos com Charizard, nadaram com Blastoise até chegar próximo ao crepúsculo, horário que tinham de voltar às suas casas. Não sei se isso explicaria a ligação atual do louro com Charmeleon, chuto que é apenas uma hipótese minha, um mero narrador.
Assim como volveu ao passado em um passe de mágica com o singelo sibilo do vento marítimo, retornou ao mundo real. Os orbes cerúleos encaravam o horizonte, quiçá mais esperançosos que outrora, apenas com aquele ínfimo lapso de memória que tivera.
Nicholas sentia-se nostálgico. Regressar a Kanto significava muito mais do que capturar espécies novas e melhorar os seus monstrinhos; significava que sua alma finalmente podia descansar, e todas aquelas memórias horripilantes que tivera das últimas ondas varrendo os casebres em Pallet poderiam ser sepultadas nos confins de seu intrínseco.
Ah, nostalgia...