Ato 05 — Nostalgia.

Conhecer o modus operandi dos rockets dava alguma vantagem à dupla. Tendo ciência disso, o pássaro utilizara seus poderes paranormais para levá-los ao outro lado da cerca. Chegaram a uma zona asfaltada, com mais alguns nuances de que, provavelmente, pessoas moravam — presente ou passado — naquela região. Nos fundos de um edifício abandonado, mais precisamente. O louro olhou de um lado para o outro, rapidamente buscando em todo o seu redor qualquer vestígio dos criminosos que tentaram cercá-los pouco tempo atrás.

Por sorte, não havia ninguém — ao menos do lado de fora. Volveu-se rapidamente para a parede de concreto do edifício, de onde um chiado constante e um timbre vocal saíam. Com os ouvidos atentos, o louro constatou de que eram — quiçá — aqueles dois de outrora conversando com um dos líderes via rádio. Aquele sorriso maquiavélico, mesmo que raso, iniciava a tingir os lábios finos do kantoniano.

Doce vingança.

Nem mesmo quando as terras outrora arrasadas pelas tempestades infindáveis pareciam se reerguer, os criminosos aproveitavam aquela ínfima brecha para manter suas atividades contrabandistas. Mas, por Arceus, esses vermes não dão um único descanso para Kanto? Os olhares frios de Nicholas expressavam uma parcela daquele ódio tão crescente em seu âmago: castigavam o seu terno continente, bem como atentaram à vida de alguém que lhe fizera tão bem mesmo em pouco tempo. Como poderia perdoá-los, ou simplesmente esquecer desses acontecimentos tão frescos em sua memória? Ademais, sua perna estava daquele jeito justamente por conta de um dos membros dessa facção.

Contudo, como poderia fazê-lo tendo a especialista ao seu lado e a mesma se negando a partir sem ele? Qual seria a impressão dela ao conhecer o verdadeiro garoto que, aprazivelmente, Karinna chamava por irmãozinho? Um paradoxo eterno dentro da alma do kantoniano.

Balançou a cabeça, buscando — mesmo que em vão — afastar aquelas sombras que já lhe eram ternas e familiares, que o abraçavam quando os desejos mais lúgubres de sua alma estavam para transbordar. Era necessário o autocontrole naquela situação, e sabia disso; porém, apenas ter a ciência não significa que seria, de fato, uma tarefa fácil.

Uma janela quebrada próxima aos dois era o ínfimo obstáculo que separavam os dois das espécies galarianas — ainda não visíveis devido à distância. No teto, um projetor iluminava uma dupla de criminosos brandindo esferas bicolores em suas cinturas, bem como alguns utensílios para transportá-los. Os monstrinhos estrangeiros jaziam sorumbáticos dentro de uma jaula feita para comportá-los de modo justo. Não obstante, era audível a corrente elétrica percorrendo entre a barra de ferro para que, no momento em que os pokémons ousassem golpeá-las, levassem um choque — e dos grandes.

Cerrou os punhos em fúria, recordando-se da simpática figura de Rockruff. Por mais que em zoológicos os monstrinhos não têm um tratamento digno, aquelas feridas tão gritantes poderiam apenas ser fruto de seres com moral alguma, carregados único e simplesmente pela ganância, doa a quem doer. Quiçá, o lupino conseguira escapar das mãos dos rockets junto a Crabrawler, justificando o porquê de serem tão vulneráveis — iniciaram interagindo com a especialista e o treinador através de uma singela brincadeira, e posteriormente, uma aproximação amical ao ouvirem as lamúrias que os dois carregavam consigo.

Até gostaria de resgatar os dois monstrinhos sem uma batalha ser necessária. Ora, se a gaiola fosse alimentada pelo sistema elétrico do edifício, bastava causar um curto circuito ou interromper a circulação de corrente elétrica; o segundo passo seria romper as rígidas barras de ferro que separavam as espécies da liberdade. Mas, sejamos sinceros: pra que dar toda essa volta se enfrentar a gangue parecia tão mais simples? E, provavelmente, os dois portavam as chaves que destravariam a gaiola dos pokémons. Dois contra dois.

Ademais, se Karinna havia de fato vencido Regirock, aqueles dois caras não deveriam ser um obstáculo, não é?

Nicholas aproximava-se da loura com pinceladas de seu intrínseco furor, ostentando seu convencido sorriso. Moroso, aproximava os lábios dos ouvidos da especialista, controlando o volume de sua voz para que, de modo algum, os rockets desconfiavam que estava ali.

— Eles estão em dois, nós somos dois. Já sabe, né? — inquiria em murmúrios, abrindo ainda mais aquele sorriso maquiavélico. Quem sabe, Nicholas também não descobriria um pouco mais sobre o tal Mestre H., a quem tanto aquela dupla reverencia, correto?

Xatu os cobria pelas costas, e não é preciso discorrer muito de que o psíquico estaria pronto para auxiliar em qualquer momento — e em caso de combate, não engajaria, afinal, ele era a válvula de escape da dupla. Seja com seu teleporte ou seus poderes paranormais, a ave não abaixaria sua guarda de modo algum.

Nicholas erguera uma sobrancelha com aquela reação excêntrica de Karinna. Não por querer um pouco mais de cautela, afinal, estaria lidando com uma facção de poder significativo em todo o submundo, totalmente compreensível. Entretanto, aquele momento em que colocara o abarrotado e molhado blazer para esconder a identidade fez o louro erguer uma das sobrancelhas. Poderia ser uma preocupação relevante, entretanto, o próprio kantoniano perseguiu pessoas dessa organização e jamais houve qualquer retaliação por parte dos mesmos. Então, por que essa tenência em demasia?

Apesar de sentir uma leve desconfiança em seu âmago, resolvera deixar passar. As ternas sombras pediam-lhe algum confronto direto com aqueles malfeitores não apenas porque um singelo gosto de vingança seria palatável, como também o resgate aos pequeninos galarianos que jaziam com sua melancolia dentro das gaiolas eletrificadas. Estralou os seus dedos e o seu pescoço, deixando uma pequena brecha aberta para que seus desejos paras lúgubres aparecessem um pouco mais.

E foi nesse meio tempo que o agora quarteto — não esqueçamos de Xatu — açodara para se infiltrar no galpão do velho edifício abandonado.

Quando Gyoza estava prestes a condensar o ar próximo e congelá-lo para lançar o raio gélido, aquela voz que ouviram outrora vinda do rádio alertou os dois recrutas. Os rockets com sua astúcia pularam para trás da gaiola, utilizando os monstrinhos como escudo vivo para que não os atingissem. Nicholas deixou um “tsc” desdenhoso sair de seus lábios, e era visível todo o desprezo que vinha dos orbes cerúleos do kantoniano. Sabe-se se por sorte ou preparo, a mente por detrás daquele rádio conseguira neutralizar o avanço tácito de Nicholas e Karinna.

A cautela que o líder mantinha fê-lo se safar dos louros esgueirando para um ataque surpresa. Contudo, por mais calculista que Nicholas fosse, nunca deixou escondido o desejo singelo de entrar e acabar com aqueles dois para obter o que queria: a soltura dos monstrinhos e as informações sobre certos membros para, enfim, materializar a sua vingança. Conforme a voz estática dava mais algumas ordens aos seus recrutas e os mesmos assentiam, aquele mesmo sorriso maquiavélico ousou abrir-se um pouco mais. Semicerrou suas pálpebras, olhando tanto para o homem quanto para a mulher, enxergando nada menos do que dois míseros ratos em sua frente.

Riu baixo, deixando um pouco mais aparente aquelas sombras que outrora o acometeram — mas que, também, acalentavam-no nos momentos mais agourentos e necessários.

— Mestre H, eu tenho uma perguntinha a você — o riso se abria ainda mais e quiçá poderia causar até mesmo calafrios diante daquela expressão tão sádica que o louro ostentava. — Três rockets foram vistos uma última vez em Rustboro, suspeito de sequestrarem uma garota. Eles foram derrotados, dois fugiram e um foi preso, mas já deve ter sido liberado a essa altura. Onde é que eles estão? — soprava a sua indagação, recuando infimamente o cenho maquiavélico. — Se não quiser falar por bem, sem problemas, eu posso brincar com esses vermes aqui até você falar. Ou melhor ainda: posso te fazer uma visitinha e arrancar tudo de você, será um prazer. Eu vejo vocês, rockets, apenas como gado vindo ao abatedouro. Parasitas cuja única função é perturbar o mundo para no final levarem um sacode. São tão medíocres que foram derrotados por um moleque — Nico passara a ter um semblante desdenhoso e com nojo em seu timbre vocal. — Apenas continuam em atividade porque os rangers conseguem ser ainda mais incompetentes. Bando de imprestáveis. Falei demais, não é? Agora, deixe-me acabar com seus estimados capangas e fale o que eu quero, filho duma puta.

Assim que as sombras urraram no âmago do louro pedindo por um avanço súbito, os capangas liberavam dois monstrinhos para auxiliarem no seu plano ofensivo. O primeiro foi o híbrido entre gramíneo e inseto de Unova, que assim que fora liberado, formava em sua boca alguns fios de seda em formato condensado, arremessando contra dupla, abrindo-se conforme prosseguia seu caminho. Lépida, a formiga de aço avançava contra uma das paredes em velocidade invejável, buscando uma única investida para abrir uma fenda e conseguir uma brecha aos recrutas. Um leve sorriso arrogante agora tingia os finos lábios do louro.

— Xatu — foi a única coisa que dissera, e com sinergia ímpar, o psíquico estava apto a agir.

Com um único balançar de suas suntuosas asas, o psíquico comprimia serras de ar que avançavam até cortar a teia que outrora Leavanny lançou. Volveu o seu pescoço na direção de Durant, que açodava com velocidade invejável na direção da parede buscando uma única. Utilizando mais uma vez de seu Air Slash, lançara aquelas lâminas à frente da formiga sem o objetivo de atingi-lo, apenas para impedir o seu avanço desmedido na direção da parede e conseguir uma brecha aos dois.

— Qual o problema? Estão com medo? Podemos nos divertir um pouco — soprou Nicholas, com presunçoso em demasia. Rapidamente, o louro buscou a esfera bicolor de seu mais recente monstrinho, materializando Slowbro naquele galpão. — Slowbro, Psychic em sequência em Leavanny.

Foram longos os minutos que aquela mão alva e cálida buscou o frio membro da vingança, buscando transmitir alguma luz para aquela lúgubre alma, já tomada por todas as memórias que despertavam o mais genuíno ódio. A suave e quebrada voz tentava perpassar aquele forte levantado pelo ódio pelo louro, buscando apenas sair dali o mais rápido possível com os monstrinhos maltratados e outrora usados como refém.

A experiência com Emma não fora a única negativa que Nicholas tivera com a organização. Os rumores diziam que havia uma grande cabeça dos rockets em Viridian, cidade vizinha à Pallet, causando um estado de terror generalizado — apesar de os criminosos nunca operarem de fato na vila. Contudo, o pavor e caos eram rotineiros aos singelos moradores da cidade, andando sempre com medo do pior acontecer. A mudança de comportamento tão brusca e toda aquela apreensão. A gota d’água era apenas o confronto em Rustboro.

E para a irritação de Nicholas, aquela voz estática apenas ameaçava os seus capangas em caso de derrota. Instantaneamente, diante de sua pergunta ignorada, a mão livre se cerrava, erguendo-a na altura de seu tórax. Em um movimento brusco, o braço descera na diagonal — longe da loura — em velocidade demasiada. Os dentes rangiam e aquele azul oceânico estava prestes a ser tingido pelo carmim que tanto lembram a aparência do Hades. Todo o corpo respondia àquele estímulo de furor de maneira ímpar, principalmente seu cérebro, sempre revivendo, em lampejos, todas as experiências que tivera com a facção criminosa.

— Me respondam, seus merdas! — bradou, os olhos coléricos bailando no interior daquele edifício abandonado, ora olhando para o homem, ora para a mulher. — Escuta, se você quiser pegar eles e ir embora, pode ir. Eu vou arrancar tudo desses vermes primeiro — dirigia-se à loura coberta por seu blazer corriqueiro, contudo, não dirigia o olhar à mesma. Deu dos passos à frente, semicerrando as pálpebras e encarando o seu psíquico. Mais uma vez, cerrara os punhos com força sem-par. — Yawn e Water Pulse em Durant. Agora!