Ato 04 — Enlaçados.

Sabe aqueles sacos de pão com a mensagem clichê que entregam na padaria sempre com a mesma frase: “servimos bem para servir sempre”? Não costumamos dar a mínima para aquilo, utilizados em mil e um estabelecimentos esparsos por todo o mundo, contudo, é uma pequena cartilha em como cativar o cliente para trazê-lo de volta ao seu comércio. Bem, aquele rapaz não parecia seguir o manual de como se comportar no estabelecimento — seja por stress, pouca prática ou apenas estar ali por obrigação.

O louro não se importava com seu comportamento quiçá pouco áspero — não o veria em outra oportunidade e tinha nos focos apenas nas técnicas e em seus monstrinhos —, enquanto Emma erguia uma sobrancelha e um protótipo de bico emburrado surgia nos lábios angelicais e róseos da treinadora; apesar dos pesares de sua infância conturbada em Lumiose, Emma ainda frequentava aos famosos cafés da cidade, e sabia bem o que era ser tratada por funcionários: conversas aleatórias e descontraídas ou até mesmo pessoas desconhecidas achegavam-se da mesa da garota junto com sua feérica rosácea em abordagem amical.

Ademais, o garoto tomou para si todas as técnicas contidas naqueles discos em troca dos utensílios que acumulou ao longo dos poucos dias que passou à mercê de sua própria sorte e da natureza. Guardando-os junto aos seus pertences, deu as costas para o jovem vendedor, nem trocando uma palavra com o mesmo — ignorância, infantilidade, retorno ou apenas o jeito sisudo de Nicholas de ser? —, entrelaçou os dedos com a treinadora ao seu lado e volveu a calcorrear pelo parque.

Eu duvido que Emma deixaria de comentar aquele assunto assim que se afastassem um pouco da barraca, não é mesmo?

— Você viu que menino seco, neném? Aff — resmungou, fazendo seu corriqueiro biquinho de emburrada. — Pelo menos quando eu ia para algumas lojas em Lumiose, sempre fui bem atendida: conversavam comigo, em alguns cafés até mesmo me davam sugestão do que pedir. Lá ele seria demitido em pouco tempo.

— Vim de cidade pequena, então no final das contas todo mundo se conhecia, não tinha essa de ser meio seco; ter, até tinha, mas tem gente que tem seus dias ruins, não é? — retrucou o louro. — E sendo bem sincero, eu tô cagando pra aquele moleque. Só quero meus itens.

Por mais que estivesse exasperada com o atendimento, deixando bem evidente aquele rostinho emburrado adornado por um bico, Emma respirou, relaxando infimamente. Se o que mais queriam os itens estava nem aí para aquela situação — ao menos, para ela — enfadonha, por que ainda matutar a respeito? Buscando ignorar, a dupla continuava a sua caminhada até a próxima atração.

A tenda de treino era administrada por um ancião careca, trajando um quimono e exibindo a sua faixa preta; uma patente para poucos no universo das artes marciais. Com a promessa de evoluir um atributo em específico por um valor significativo, a atração — coincidentemente — jazia próximo à tenda de luta contra o Mega Sableye. Se Nicholas quisesse enfrentá-lo, nada mais justo que um treino antes, não é?

Sem muitas delongas, buscou, em seu bolso, a esfera bicolor de Shellos, materializando-o ao seu lado. Acenando com a cabeça, o agora trio rumou para a tenda do velho — se tivesse fila, direto para o final da mesma, claro. Assim que chegasse sua vez, saudariam o senhor com um sorriso receptivo e um sucinto aceno, aproximando-se do mesmo.

— Olá, senhor — tomou a frente o kantoniano. — Seria possível treinar a defesa do meu Shellos? — indagou, com a quantia monetária já contada em sua mão destra; a lesma olhou de relance para o louro, e em seguida, fitou o senhor de kimono, grunhindo ternamente para, quiçá, o seu futuro e breve mentor.

Mil e quinhentos — um preço deveras salgado — em troca de uma melhoria em um atributo. As propriedades de vitalidade veemente era uma marca da espécie do gastrópode, podendo ser não apenas útil em lutas solo, como combates em dupla. Normalmente, treinos requeriam uma boa quantidade de tempo, e o senhor oferecia um método relâmpago — e funcional — por seus honorários; se o ditado que diz que tempo é dinheiro, acredito que o valor era apenas simbólico.

E enquanto Shellos praticava a sua defesa física, o casal pôde observar, ao lado da tenda de treino, um monstrinho fantasmagórico com seu corpo em tom violáceo mais escuro trajando um chapéu — lembrando aqueles usados em festas de halloween — enfrentava um noturno em sua forma mega evoluída. As atenções do louro se volviam para aquele combate por motivos óbvios.

Com um único ataque super efetivo, Sableye derrubava Mismagius, impressionando a todos nos arredores com até onde seu poder se estendia, ainda maximizado por sua mega evolução. A treinadora do fantasma resumiu a recolhê-lo, frustrada com o resultado, levando a bruxinha feérica até uma máquina para curar os ferimentos causados naquele embate. Os espectadores até recuavam em um único passo, receoso, estupefatos pela demonstração de força do noturno.

Esbaforido, a lesma andava até o seu treinador, e este volvia na direção do aquático com o fim da exibição contra Sableye. Nicholas desvencilhou sua mão da gentil prisão de carne que a loura o envolvia, mantendo seus olhos no mesmo nível do gastrópode róseo, fitando-o.

— Não sei se você viu, mas você vai ser o próximo a enfrentar aquele monstro — o monstrinho marinho arregalou as suas pálpebras, súbito, quiçá por como o noturno poderia ser imponente. — Mas, fica tranquilo se não ganhar. A ideia é ver como você se porta ofensivamente e se consegue aguentar alguns golpes dele agora com a sua defesa treinada, entendeu? — Nico deu dois tapinhas gentis na face de Shellos, que assentia, mais relaxado. — Só dê o seu melhor, tá ok?

Recolheu-o no colo.

Emma se reduzia apenas a observar a conversa entre tutor e monstrinho com um sorriso jubiloso; ver o garoto a quem dera a vida para salvá-la e agora podia chamá-lo de “príncipe encantado” agindo manso com todo o seu monstrinho acalentava o seu coração. De uma renegada da vida abastada em Lumiose, o destino enlaçou-a com um singelo garoto do interior de Kanto, recém chegado às terras tropicais de Hoenn por seu lar ser consumindo pela infindável torrente. E mesmo em meio às turbulências de sua transição para a idade adulta, a loura podia, enfim, repousar em paz: achou seu porto seguro.

Calcorreando lado a lado, vez ou outra a garota afagava a cabeça do gastrópode, sempre elogiando a sua forma e sua disciplina para se tornar poderoso. Não havia tantos obstáculos que impediam o louro a galgar até o palco da atração principal, carregando, em seu colo, a sua lesma.

— E aí — introduziu-se o garoto, colocando seu aquático sobre o chão; Emma ficava do lado de fora, acompanhando junto à plateia. —, esse daqui é o Shellos, e é o seu mais novo adversário — dirigia-se seja apenas ao monstrinho, ou caso houvesse algum mestre por detrás, era ao mesmo. — Deve ter mais gente querendo vir pra cá, então não vou me demorar muito, beleza? Se não me importa, vou fazer os primeiros movimentos — a lesma rósea colocava-se em posição de combate. — Comece com duplo Water Pulse.

Com a derrubada do item que Mismagius levava consigo no embate de outrora, o louro já havia identificado uma das opções ofensivas do noturno, e conforme chegou a sua vez, os movimentos escolhidos por sua mestra deixaram o kantoniano ainda mais surpreso, fazendo emergir um riso no canto dos lábios simultâneo aos braços se cruzarem na altura de seu peito; se o desafio era vencê-lo em três minutos, e possuindo um leque defensivo daquele porte — maximizando ainda mais suas defesas —, eram poucos os que conseguiam derrubá-lo com eficiência.

Se o gastrópode ainda não tinha força o suficiente para conseguir causar algum dano contra a Mega Sableye, aqueles três minutos com certeza não seriam o suficiente para que Nicholas nocauteasse o noturno.

Contudo, não via apenas o lado ruim. Era nítido como o treino defensivo do monstrinho demonstrara resultados satisfatórios; a lesma possuía vitalidade exacerbada comparada a algumas espécies, e isso compensava seus índices defensivos não tão acentuados. O noturno desferira um único ataque, não era tão poderoso, é verdade; ainda assim, fora notório que o aquático conseguira algum progresso naquele treinamento que custou — além do dinheiro — um tempo ínfimo.

Mesmo com os pesares e já ciente do provável resultado da luta, ainda assim Nicholas estava satisfeito com o desempenho de Shellos.

— Continue com mais dois Water Pulse — soprou, brando, os olhos cerúleos sempre inquietos, observando cada movimento das criaturas.

O anunciado já começava a se tornar realidade. O aquático não tinha força o suficiente para causar danos magnânimos diante da enorme fortaleza de cristal que o noturno carregava consigo, e apenas alguns danos ínfimos antes de Sableye evocar um substituto para barrar não apenas ataques físicos, como condições — mas, oh, como conseguiria o pobre Shellos diante da habilidade especial da mega evolução?

Graças ao destino, era um singelo encontro casual; um embate amical em que estava em disputa alguns brindes e a experiência adquirida ao se observar um adversário poderoso. Em situações reais de perigo, um adversário como o mega noturno poderia ser deveras problemático não apenas aos monstrinhos, como ao próprio treinador. Nicholas passara por situações melindrosas que muito requiriu não apenas planejamento, como um fundo de sorte.

Contudo, diante do duende noturno, seria necessário o dobro — ou arrisco dizer o triplo — de sorte para que saísse ileso de uma situação como aquela diante de um inimigo forte como tal.

De todo o modo, já havia se passado um tempo significativo desde o início da luta, e não enxergando a vitória — ademais, jubiloso com a melhora de Shellos com o passar o tempo —, aquele riso satisfeito no canto dos finos lábios rosáceos do louro se mantinha; lutas amistosas era como um hobby, e por que não se divertir, sem ser necessário pensar em vitória ou derrota, huh?

— Water Pulse, em sequência — repetiu os comandos anteriores, calmo, ainda com os braços cruzados, atento aos detalhes e ao desenrolar do desafio.