Em busca de algo pra fazer

Dane-se a maquiagem, é o de menos e eu não me importo de sair na rua assim... não se o preço for deixar Luthien sozinha por mais tempo. Troquei de roupa e fui buscar Luthien, dei quase que um tour dos lugares que pensei que poderia estar, mas não a encontrei nem num dos lugares que estivemos antes, nem onde ela esteve de início. Aí pensei: Será que ela está me esperando na saída? Possível, decidi tentar.

E, à distância, vi aquele véu ambulante ali, próximo de Micaela e Drifloon. Luthien! Corri em pasos rápidos até a Pokémon.

- Ainda bem que ela está com vocês! Espero que não tenha dado trabalho, ela pode ser um pouco tímida. - Ao ouvir a minha voz a Pokémon correu até eu e se abraçou na minha perna. Estava se sentindo tão sozinha assim? Talvez eu devesse ter usado Narya para fazê-la companhia... mas aí eu temo que a vela poderia tentar sugar a força vital de algum dos espectadores quando eu não estivesse olhando, talvez não fosse a melhor ideia.

- Gabriel... - Foi baixo, abafado pelo fato de sua boca estar praticamente colada à minha calça jeans, mas deu pra ouvir a Pokémon chamar por meu nome em tom choroso. Abaixei-me e a levantei no braço.

- Bom, estou aqui agora, ela e Drifloon se deram bem?

Porque será que isso não me surpreende? Ah, Luthien... Tudo bem, eu entendo o que aconteceu agora. A Pokémon não parece ter dado muita bola pro que Micaela disse de início, na verdade pela sua linguagem corporal parecia até concordar, com certo orgulho de um trabalho bem feito.

- Entendi, ela é um pouco possessiva. - Um pouco? Estou com a impressão de que é até mais do que eu imaginava, algo comum em sua espécie eu suponho. No canto do olho notei Luthien levantar o rosto pra me encarar como quem tá mandando um "É mesmo?". Pelo menos parece bem mais calma agora que está de volta em meus braços. Quando Drifloon se aproximou, afastei-a de mim um pouco para que olhasse direto para a Pokémon.

Ela pareceu ter captado a mensagem e soltou um grunhido em tom apologetico para o balão. Não me pareceu ter sido em língua humana dessa vez, claramente sem vontade de falar na presença de Micaela (e do monte de gente que está dentro, saindo ou entrando da igreja). A Pokémon então usou seu psychic para levitar para fora de meus braços e se aproximar de Drifloon, curvou o corpo levemente para frente como se numa reverência e soltou outro grunhido. Ok, espero que isso tenha resolvido qualquer problema entre as pokémons.

Foi aí que percebi Micaela olhar várias vezes para o relógio e, em determinado momento, admitir que estava de saco cheio. Sinceramente? Já passei por coisa o suficiente hoje que a peça em si é o de menos, mas é verdade que estou bastante cansado e, depois de coletar o pagamento, provavelmente vou direto dormir no centro pokémon.

- Foi um dia bem estressante pra mim também, vai ser uma noite de sono bem longa.

Me perguntei se Luthien iria responder àquele high five. Normalmente a Pokémon não se dá muito bem com comunicação visual e se faz algo do gênero vem muito de me imitar, como fez na "reverência" há pouco. Lógico, eu e Achilles, por exemplo, temos o hábito de fazer um high-five ao fim de batalhas, mas se Luthien chegou a presenciar um desses momentos foi quando era muito nova, definitivamente não se lembra de tal momento.

Mas ela decidiu imitar Drifloon, talvez por curiosidade em saber o que aquele ato significa, talvez por não querer deixá-la no vácuo. Isso foi o suficiente para satisfazer o balão e despertar maior curiosidade em Luthien acerca daquele som, que ela tentou repetir com palmas... interessante. Não é algo que eu fiz tanto assim, mas estimular ela pela audição seria algo bom. Não sei se é verdade, mas sempre ouvi bastante sobre pessoas que não têm um dos sentidos possuírem maior sensibilidade nos outros.

QUE SUSTO! Micaela falou algo sobre pedido logo após dar as 18 e... 18. Quê?

- O quê?! - Fiquei confuso pra cacete e o relógio mudou pra 18:19 antes de eu poder falar algo diferente. Mas ein? Aí que o estômago de Luthien roncou e minha atenção foi de volta à Pokémon, que tentou dar algum ritmo àquele som.

...

Será que ela pega mania de cantar? Não sei, mas vou precisar dar algo pra ela comer em breve.

- O que quis dizer sobre pedido? - Lógico que já era tarde demais, mas eu fiquei curioso. Seria algum costume daqui que eu não conheço/lembro?

- Não, é a primeira vez que eu ouço falar sobre isso. - E estou sendo bem sincero. O estranho? Logo depois disso passou uma velha oferecendo um pacote de doces pra nós (incluindo os pokémons). Pude jurar que escutei Luthien mandar um obrigado pra senhora, mas ou foi muito baixo, ou foi só minha imaginação.

A Pokémon comeu seus doces com bastante vontade, embora em dado momento tenha tido uma reação estranha. Algum confeito amargo? Não sei, mas acho que ela não se importou e logo voltou a comer.

...Ei Luthien, está brilhando ou eu estou ficando maluco?

Não, não estou louco, ela realmente está brilhando depois de comer o pacote de doces. Vi sua silhueta mudar repentinamente, tornar-se mais alta, deixando cair o véu-disfarce, sua "saia de bailarina" tornar-se um longo vestido que cobriu as pernas, os chifres em sua cabeça atrofiarem e deixarem por trás apenas o cabelo. Um novo chifre-amplificador surgiu em seu peito, como se tivesse perfurado a Pokémon pelas costas.

...Ela acaba de evoluir depois de comer aquele pacote de doces?

Não, pera, essa não é a reação certa. EU TENHO UMA GARDEVOIR, PORRA! Eu realmente fiquei com vontade de pular que nem um maluco, mas apenas dei uns passos para perto da Pokémon, que nesse momento finalmente deu-se conta da sua evolução e começou a esticar os braços e fazer movimentos com seu corpo, pular, girar, como se estivesse explorando o que era capaz de fazer agora que era, de certa forma, uma Pokémon adulta.

- Eu evoluí! - E aí deixou escapar palavras. Acidente? Não sei, às vezes evoluções mudam a personalidade dos pokémons, pode ser que esteja mais à vontade agora. Ela definitivamente não pareceu dar muita bola para Micaela e Drifloon a esse ponto, mas talvez esteja apenas focada demais em possíveis elogios meus.

- Não esperava por isso, você é uma caixinha de surpresas! - Em meu descuido decidi que abraçar a Pokémon com força seria uma ideia melhor do que o cafuné que faço desde que é uma pequena Ralts.

Quando senti o chifre prestes a me empalar, recuei repentinamente. Que bosta, ein? Puto negócio grande e pontudo, abraçar Luthien vai ser um obstáculo tão grande quanto é com Achilles, mas no caso dele já temos o hábito de apenas fazer o high five mesmo. O diferencial é que ela realmente adora abraços e me pareceu um pouco decepcionada, inclusive tocou algumas vezes naquele chifre e tentou empurrá-lo para trás em seu corpo.

...de certa forma eu temo pelo meu futuro.

Dada a situação, acho que ninguém me culpa por não dar muita atenção à reação de Micaela, que escutou com clareza as palavras de Luthien. Eu só fui perceber que ela estava tendo 1001 reações quando me afastei de Luthien e tirei minha atenção dela por um instante. Bom, agora não dá pra esconder, né? Troquei olhares com minha Pokémon, que parecia não se importar tanto assim dessa vez, sem eu saber se a conversa com o psicólogo ajudou tanto assim ou se sua evolução foi o estopim necessário.

Na verdade, a Pokémon está muito mais interessada em orgulhar-se de estar completamente evoluída que em qualquer outra coisa. Eu pensei em falar algo para Luthien, mas aí Micaela me veio com um papel em mãos, querendo que eu olhasse. Estranho, não sei se ela ainda está reagindo para Luthien ou se é pro que está no papel.

- Tá, deixa eu ver... - Peguei o papel e dei uma olhada no que estava escrito.