??? - SIPÁ não tem VAAS

Não tinha resposta alguma. A boia permanecia parada na água, sem resposta. Aparentemente o mar não estava para peixe, literalmente. Mas a pescaria pode ter mais de um objetivo ou significado. Pode ser apenas um momento para partilhar com outras pessoas. Ou um momento de relaxamento, de descanso. Tanto que pescadores da marina, aqueles que tiram seu sustento da prática, utilizam redes para o serviço. Nós estávamos com um par de varinhas perto de um recife em mar quase aberto Ou seja, éramos só duas pessoas desfrutando de um momento de calmaria antes de uma possível tempestade. - É, acontece! Haha! - disse para o capitão, erguendo a varinha e me preparando para lançar mais uma vez - E de fato, é uma boa oportunidade. Pelo visto vou ter que perguntar diretamente para o mar para saber com o que estamos lidando… - e esse ponto me deixa um tanto apreensivo. A última vez que mergulhei foi em uma piscina de profundidade na academia Ranger, durante o treinamento básico. E antes disso, nem me lembro. O que quero dizer? Que desde o acontecido com minha mãe, tenho evitado o mar. E agora aqui estou. Me conectar com ele não é uma opção, mas também não é um desejo. São ossos do ofício, por assim dizer. Ainda em silêncio, jogo mais uma vez a isca nas águas, quem sabe consigo alguma resposta para meus dilemas silenciosos?                        

Minha linha se prendia em algo brilhante. O capitão dizia algumas palavras de sabedoria enquanto fitava o vai e vem das ondas que movimentavam o barco. Kinney e Groen cuidavam de Howlett, que mesmo um tanto assustado estava curioso para saber o que era aquilo. - É, pelo visto… - respondia o que Boreas respondia enquanto puxava a isca para cima - … descobriremos o que é essa surpresa do mar! - na verdade, eu não estou muito afim de ter surpresas nessa viagem.

Veja bem, existe uma gama infinita de possibilidades para responder o porquê de uma espécie ter desaparecido de seu habitat. Desde a chegada de uma nova espécie mais apta para predação a ação direta e catastrófica do homem. Mesmo que meu propósito seja investigar, definitivamente não quero me deparar com nada que fuja do habitual. Estou falando de conspirações, tramas criminosas, forças fantasmagóricas. Já não basta minha última aventura, que vim direto do Centro de Conservação para Acapulco. Sim, é a primeira aventura de Howlett dentro da equipe!

Enfim, hora de puxar a linha e descobrir o que vem por ai!                        

Olhei para a gema em minhas mãos e dei de ombros. Não era ruim, mas também não era o melhor dos presentes. Era como a situação em que estava. A iminência de reviravolta drástica, da calmaria para a tempestade ia de encontro com a realidade estagnada e entediante, e isso não era ruim por si só. Era só, méh. Coloquei o item na mochila e esperei o duelo entre o capitão e o… nada? É, parece que a sorte não iria sorrir para ele nesta manhã também. Sorri e novamente dei de ombros. O sentimento de que estava perdendo tempo começava a surgir dentro do meu peito. Seria ansiedade? Talvez. Só sei que a sensação física era de um embrulho repentino no estômago, agora se fonte estava no passado, no presente ou no futuro, não dava para saber.

Isso me fez voltar a atenção para dentro de mim. Kinney e Groen estavam cuidando bem de Howlett, e o pequeno hisuiano parecia mais acostumado com o cenário, logo estava se acalmando. O mesmo não acontecia dentro da minha cabeça. Afinal, o que estava fazendo? A vida na estrada era algo que almejada desde criança então… por que me sentia tão deslocado? Era como se todas as experiências que vivi foram contadas a mim por outra pessoa, e na medida que essas histórias são contadas e recontadas, elas se misturam com as minhas histórias. É como um grande efeito Mandela ecoante e replicante. Eu realmente estava em todos aqueles lugares? Realmente era eu ali vivendo aquilo tudo? Eu realmente fui capaz de fazer aquilo tudo? Ou apenas acabei dando sorte? Afinal de contas, como vim parar nesse barco???

Apertei o fronte entre olhos com a ponta dos dedos e respirei fundo. “Você tá cansado. Isso vai passar”. Repeti esse mantra na minha cabeça, repetidas e incontáveis vezes. Até sentir o toque gélido de um focinho em minha perna. Era Groen, chamando minha atenção para algo que o capitão apontava. Pelo visto havíamos chegado no tal recife.

Cerrei os olhos ao ver o navio. Era bem robusto, porém pequeno demais para um cargueiro. Seria um navio de pesquisadores? Ou algo além? Bem… - Tem como parar pelas redondezas? Vou me aproximar pela água. - dizia enquanto tomava o equipamento de mergulho em mãos. - Groen, vamos lá. Kinney e Howlett, retornem. - claro que minha parceira inicial protestou, mas ela sabia que não tinha como fazer muita coisa embaixo d’água. Era o território de Groen, e me sentia totalmente seguro ao seu lado. - Fique aqui e ao menor sinal de risco, chame a guarda costeira. - alterei o capitão - Vou analisar o recife primeiro antes de abordar o barco. Vamos lá. - assim, sentei na beirada do barco e me joguei de costas, para logo depois me agarrar a Groen e apontar para os recifes.                    

Fiz um breve aceno com os dedos indicador e médio na altura da testa para o capitão Bóreas e me joguei para a imensidão litorânea. Olhando de uma nova perspectiva, de um ponto de vista novo… até que não era tão ruim. Quero dizer, mergulhar geralmente não era minha primeira opção de atividade, como disse antes. Pode ser efeito da falta de prática criando um cenário completamente novo e despertando essa sensação? Pode. Pode ser a tal magia do oceano? Pode. Pode ser uma mistura dessas duas coisas com mais tantas outras que não cheguei a refletir sobre? Pode também. Ou eu posso, apenas, curtir a experiência sem ficar medindo os níveis de surpresa como um formando louco de TCC, né?

Groen é o parceiro definitivo para esse ambiente, ponto. Sua personalidade doce e atenciosa, somada à habilidade inata, criava a combinação perfeita entre agilidade e segurança. Sério, dá pra colocar uma criança de cinco anos nadando com ele fácil, fácil. Passamos, seguramente, próximos aos recifes e sem perturbar muito os locais. Nada de Shellders, obviamente. Haviam Staryus, Goldeens, Corsolas receosos e Horseas curiosos, mas nada de Shellders. Também não havia muito a investigar enquanto submerso. Não que eu imaginei coletar digitais de crustáceos durante um mergulho, mas ao menos um tico de pistas, sabe? Contudo, o bom trabalho investigativo deve levar em conta todos os detalhes possíveis. E sim, eu estava diante de um enorme e cintilante detalhe. Em uma cena de crime, ao averiguar a cena e algumas minúcias, não encontrar pista alguma se torna uma GRANDE pista. O que quero dizer com isso? Também não vi conchas de Shellder e Cloyster. Não que tenha averiguado cada canto, mas pense comigo: se fosse alguma causa natural, haveria resquícios da presença das formas de vida, certo? Se fosse uma alteração química na água, a chegada de um novo predador, uma migração em massa… enfim, praticamente todos os motivos naturais de desaparecimento. Literalmente, parece que uma mão invisível veio aqui, coletou um a um de cada indivíduo da população e pronto!

E sim, “mão invisível” não está aí à toa, não não. Se não há, aparentemente, causas naturais, voltemos nossos olhos para as não naturais. Conheço uma boa quantidade de destinos comerciais que um Shellder pode ter. Desde produção e coleta de pérolas em aquários a comida e sintetização de cosméticos. Mas claro, o mercado sempre se inova, e este com certeza não é um elogio. E a mão invisível está aí, falaciosamente gerando demanda. E o que temos à nossa frente? Um navio, que de tão suspeito me faz querer apertar o botão no centro da mesa e chamar a reunião geral. Dei dois tapinhas no corpo de Groen, chamando sua atenção, para que o mesmo subisse, devagar. Uma vez quebrada a tensão superficial da água, retirei o respirador da boca e sussurrei para meu companheiro aquático. - Vamos nos aproximar devagar garoto. Nos mantenha na flor d’água. - e então, novamente coloquei o respiradouro e prosseguimos.

Hum, então eles estão realmente carregando algo para dentro do navio? Bastava descobrir o quê. Mas dessa vez, nada de abordagem direta e explosiva. É uma missão investigativa, certo? Então vamos atrás de provas. Hora de infiltrar. Comandei Groen para circundar o navio em busca de algum acesso, seja escada ou rampa. Uma vez encontrado o acesso, iria retirar o equipamento de scuba, recolher Groen e liberar Kinney. Se a foca era ideal para água, a felina era a ideal para infiltração. Após isso, iria tentar visualizar uma forma de avançar de forma furtiva pela embarcação.