— Esse som... Ain! O que é isso? Yuri? Luch?  — Dizia Luci, em um tom de lamento e levando suas mãos até a cabeça, uma tampando cada um de seus ouvidos. Os olhos da menina também estavam fechados, bastante contraídos e indicavam dor ou apenas um forte incômodo. Eu até entendia o que era dor, certamente... Mas não estava sentindo a mesma "pressão psicológica" que a garota deveria estar tendo. Seria esse o efeito dos cristais em humanos...? Seja o que for, não poderia deixar que os Macchiato acabassem em um estado igual ou pior do que a própria Meo-Mey. Tinha que tirá-los dali... A todo custo! — Luci! Yuri! Saiam! Saiam daqui! Nós encontramos vocês do lado de fora da caverna! Vai... tudo... dar... ai! Certo! Prometo! — Eu comentava para as crianças, tentando enxergá-las ao inclinar a cabeça para trás, ainda deitado no chão, vendo-os apenas de ponta-a-cabeça. Tentava falar algo entre cada novo arranhão e mordida recebido, mas tendo que parar com frequência para morder os próprios lábios com a dor deixava tudo mais complicado. Nem mesmo as tentativas desesperadas de Sophia em ajudar pareciam surtir efeito e Poliwag não conseguia um bom ângulo para hipnotizar a Meowth alterada.

— Também tá doendo... Acho que temos que sair daqui Luci! Vem... Vem!  — Dizia Yuri ao ouvir o que eu tinha dito, tentando puxar a irmã para fora daquele lugar, mas encontrando bastante resistência dela em me deixar para trás... Nesse instante, uma mistura de sons e visões começou a perturbar minha cabeça. Por um instante a dor foi saindo da minha cabeça e dando lugar a algo que eu só poderia descrever como alucinação. Uma espécie de sonho, ou pesadelo, acordado... Entre essas visões eu só acabei lembrando do pequeno Bulbasaur, tão novo e assustado. O que ele deveria estar pensando de tudo aquilo? Eu precisava ao menos deixá-lo em segurança ou até mesmo capturá-lo para que não fosse afetado. Se as crianças começaram a serem atingidas primeiro, imagina um Pokémon recém-nascido? Ainda com Meo-Mey sobre mim, tentava alcançar minha mochila para pegar uma Dusk Ball e quem sabe, capturar o pequeno gramíneo, já que retornar Mey não parecia possível. Sophia, que havia se afastado um pouco, agora voltava para perto de nós dois com uma sacola, que ao agitar emitia um som de pedras chocando-se. O que isso significaria? Eu realmente não sabia, mas se funcionasse eu tentaria retornar Meowth para sua Pokébola e convencer Bulbasaur a entrar na cápsula esverdeada que mantinha comigo.

Quando vi Yuri finalmente conseguir tirar Luci dali, um alívio percorreu o meu corpo. Ao menos, se tudo desse errado ali, as crianças Macchiato estariam bem. Eu jamais me perdoaria se algo terrível acontecesse com eles. Isso se eu considerasse que tudo o que viram não fosse ruim o suficiente para afetá-los de alguma forma... Principalmente para Yuri, que não havia conseguido um Pokémon ainda e corria o risco de não querer mais contato com algum outro, pondo em risco uma promissora carreira de treinador pelo medo das consequências catastróficas de um descontrole desses. Além disso, a captura de Bulbasaur foi um sucesso, protegendo a pequena de qualquer tipo de ataque ou influÊncia maligna que pudesse sentir. Mas enfim... Eu já estava começando a perder as forças dos meus braços e não conseguia mais evitar os golpes mais pesados de Meo-Mey. Não havia muito lugar para ela cortar e certamente as cicatrizes nunca mais sairiam, mesmo com cuidados médicos imediatos. Todas as minhas esperanças ficavam fixadas em Sophia e sua perspicácia.

Quando achei que não teria mais solução para o que sofria, finalmente vi algum efeito sendo surtido. Minha querida Meowth ficou estática, paralisada. Seus olhos pareciam voltar ao normal, mas a expressão em seu rosto não era normal, muito menos digna de alegria por minha parte. Claramente Mey estava fora de si, quase vegetando e a baba que escorria do canto de sua boca deixava isso claro. Estava resolvido que a minha próxima prioridade seria levar a Meowth embora dessa caverna de volta para Mountock, assim a própria Enfermeira Joy descobrira o que estava de errado e, se tudo desse certo, a traria de volta ao normal — Mey... Desculpe por te deixar chegar a esse estado... — Dizia com lágrimas nos olhos ao acaricia seu rosto, pegando minha Pokébola e fazendo-a retornar. Se isso não funcionasse, a levaria no colo mesmo embora dali, apesar dos ferimentos graves. A Ranger nos pedia para sair dali o mais rápido possível.

— Vamos sair sim... Estou bastante machucado, dói muito, mas acho que é meu coração que está verdadeiramente partido... Sinto que Mey vai demorar a superar o que aconteceu e foi tudo culpa minha de ter deixado ela tanto tempo longe de mim... — Eu dizia de forma um pouco perdida, ainda afetado pelos cristais da caverna e tentando por minha mente no lugar. Sophia disse que poderia fazer um curativo em meus braços ao menos até chegarmos em Mountrock, assim aguentaria bem pelo caminho de volta. Assenti com a cabeça, sem conseguir dizer muita coisa e fui seguindo pelo caminho, esperando ver os jovens Macchiato em um lugar seguro e mais iluminado para poder conferir se sofreram algo. Não deixaria que mais um descuido causasse consequências tão negativas assim. Sendo assim, apenas segui ao lado de Sophia até o exterior daquela regiãoç

Sentia que estava caminhando há um bom tempo, mas a saída da caverna dos cristais não parecia chegar nunca. Seria efeito dos mesmos ou simplesmente havia perdido muito sangue e não tinha mais noção do tempo com a mesma precisão de antes? De qualquer modo me mantinha em silêncio sofrendo das minhas dores internamente e ouvindo as palavras de conforto de Sophia. Ela dizia que nenhum de nós é culpado e assumiu uma parte da responsabilidade por ter "atrasado" um pouco nosso reencontro. Não achava que tinha sido assim exatamente, mas apenas concordei com a cabeça, suspirando fundo — O importante é nos prendermos ao futuro, o que passou passou, não é mesmo? — Comentei ainda com uma expressão de preocupação e tentei sorrir com bastante dificuldade, afinal não era fácil demonstrar alegria em uma situação dessas. Enquanto isso, distraído pela conversa, acabei me surpreendendo com a mão de Sophia bem na minha frente, freando o meu avanço. Havia certamente alguma coisa estranha por ali e ela havia notado o que eu não havia. Quando entendi o que se passava, olhei para baixo, observando ainda em silêncio as pequenas criaturas de corpo disforme e cabeça bastante... curiosa.

— Dittos...? Diferentes? — Comentei, pegando a Pokédex quase ao mesmo tempo que a Ranger. Assim que abri o aparelho, notei que a identificação da criaturinha não foi imediata e logo entendi que não era uma situação trivial. Mas uma certeza: não era um ditto. — Eles estão andando tão estranho, parece que estão afetados por algum magnetismo, consegue ver? — Disse, abaixando um pouco para vê-los mais de perto e observar algo de estranho. Se eles demonstrassem qualquer sinal de hostilidade eu retiraria a Pokébola de Geodude da bolsa e o lançaria, ordenando que usasse sua técnica defensiva para aguentar pelo menos o primeiro de um dos possíveis golpes que eles lançassem. Não pretendia lutar, ainda mais no meu estado, mas se não tivesse escolha eu faria de tudo, até passar por cima dos pequenos para levar Meo-Mey de volta ao Centro Pokémon. Esperava que as palavras de Sophia fizessem efeito antes que algo pior ocorresse, mas se eles estivessem sendo afetados pelo mesmo mal de minha Meowth, haveria pouca chance de sair dali sem um enfrentamento, mesmo que curto.