Capítulo 1 ♦ O calmo espírito da chama

A mulher estava no mesmo cômodo em que caminhou para buscar os remédios de Gyusuki, ou seja, não estava no campo de visão do rapaz no momento. Quando voltou, estava com alguns pacotes e ervas em seus braços, de modo que suas costas se inclinavam para frente. Depositou-os sobre a pia da cozinha, que era anexa à sala, e logo começou a cantarolar enquanto misturava alguns ingredientes em uma grande panela. Enquanto o alimento acabava de se preparar, a senhora caminhou de volta à sala, onde sentou-se em frente ao mesmo, também um sofá antigo.

- Estou preparando uma sopa. Gosto de sopas em noites frias. Espero que você também goste. - Só então Strider percebeu que com a chegada da noite, a temperatura havia caído também. - Espero que goste também. Alias, como está a perna? foi um ferimento bem grave, mas o remédio que apliquei tem uma erva sedativa também. - Liberava um fino sorriso ao mesmo. - Você vai passar a noite aqui, não está em condições de sair ainda. - Então observou o pequenino canino ao lado de seu treinador, abriu sua boca e logo recomeçou a falar. - Você tem um pokémon um tanto raro ai. Mas, se me permite, seus outros pokémons estão em bons estados, ou também se machucaram?

A senhora poderia ser até um tanto curiosa, e também tagarela, mas oque fazia, fazia para ajudar o treinador.

Enquanto a senhora cozinhava, o treinador apontou sua pokedex para o pequeno cão azulado à sua frente. O dispositivo abriu-se, a tela se iluminou e mostrou a imagem de um cão negro, com as mesmas formações ósseas que o que estava logo a sua frente. Eis que a pokedex emitiu um breve apito, e então uma voz mecânica surgiu do interior do mesmo. A voz dizia:

Houndour
Delvil

É um pokémon muito inteligente. Eles se reúnem em matilhas e trabalham em conjunto para atacar suas presas. Comunicam-se usando latidos diferentes.

Por fim, a imagem continuou a vista, mas a voz havia cessado, e assim ficou por alguns instantes, até que ela retornou, e disse mais alguma informação sobre o pokémon: "Este é um Houndour Shiny". Só então, Strider percebeu a grande diferença no pokémon à sua frente em relação ao da imagem, tanto a cor de sua pelugem quanto a de seus ossos, eram diferentes, aquele pokémon era uma espécie rara de Houndour.

Eis que a senhora, enquanto a comida cozinhava, retornou à sala, onde teve um breve dialogo com o rapaz, no qual ele afirmava ter outro pokémon, que também estava muito ferido. Strider então retirou o rato de sua pokéball e o pegou nos braços enquanto esticava à mulher, perguntando se ela poderia cuidar dele também.

- Ah! - Exclamou a senhora, pegando rapidamente o pequeno rato em seus braços e o colocando ao seu lado no sofá, então abaixou-se, onde havia deixado a caixa com os remédios e curativos, no chão. Primeiramente, pegou uma espécie de flanela, um tecido bem macio e retirou a terra que cobria o pequeno. Em seguida, pegou mais uma vez o álcool, porém desta vez um diferente do que havia utilizado no treinador, talvez este fosse mais especifico para pokémons, e o passou sobre os ferimentos do pokémon, que se revirou de dor, mas logo em seguida relaxou. A mulher então colocou alguns pequenos curativos sobre o pokémon, um em sua pata traseira, esquerda, outro logo abaixo do queixo, e mais um logo atrás de sua cabeça.

- Pronto, pronto... - Sussurou a senhora, com a voz doce e melodiosa, para o pokémon. - Ele ficara bom, não houve danos muito graves, amanha ele já deve se sentir um pouco mais disposto, por hora, deixe-o descansar sobre o sofá. - Disse dessa vez para Strider.

Mais uma vez, após aquelas palavras, a senhora caminhou até a panela, e virou o conteúdo sobre duas tijelas mais grandes, e duas menores. Carregou primeiro as duas pequenas, deixando uma perto de Houndour, e outra para Ichiro, para quem tentava despejar sobre a boca do pokémon, lentamente. - Está quente... Deve fazer bem à pokémons como estes dois, além de ter algumas ervas e legumes que devem ajuda-los a se recuperar. - Dizia a mulher, já se levantando e indo buscar as duas tijelas maiores, entregando uma à Strider e deixando a outra para si.

A senhora finalmente havia se sentado no sofá. A tigela de sopa em suas mãos faziam-na esquecer do frio que chegara junto com a noite. Os dois pokémons que acompanhavam Ichiro já haviam se alimentado, e ambos agora já estavam dormindo. Ichiro dormia tranquilamente, apesar de suas dores, sobre o sofá, enquanto Houndour aconchegou-se ao lado do sofá, sobre o tapete peludo que cobria o chão de madeira.

- Meu nome? - Dizia a senhora também soprando o líquido na colher, e em seguida levando à boca. - Me chamo Eliza, mas pode me chamar de Lisa, todos já me chamam assim. E não se preocupe, gosto de ajudar... E... Sempre é bom ter alguém por perto. - Liberou um fino sorriso ao garoto.

Ao fim, Lisa já havia terminado sua sopa, assim como Strider, que a acabou antes mesmo da senhora, que comia muito vagarosamente, quando levantou-se e caminhou mais uma vez até o cômodo que já havia buscado muitas coisas, e retornou com dois cobertores, um tanto quanto envelhecido, porém limpo, que aqueceria o jovem durante a noite; entregou um ao rapaz e ficou com outro, onde deitou-se virada para cima sobre o sofá, examinando o teto da casa.

- Vou ficar por aqui e te fazer companhia. - Dizia a mulher, puxando o cobertor até seu queixo. Então, ainda olhando o teto, retornou a falar. - Qual é o seu maior desejo, Gyusuki? - Agora falava com a voz lenta, como se o sono já estava chegando, porém sua voz parecia sonhadora.

Strider havia dito algumas palavras em resposta à questão de Lisa. Qual era o seu sonho? Encontrar-se com seus pais verdadeiros, aqueles que, por algum motivo misterioso, o deixou em uma floresta escura. Porém, no momento daquelas palavras, Lisa já não mais o escutava, havia caído no sono, e não demorou muito para que, mergulhado em seus pensamentos, Gyusuki dormisse também.

Em seus sonhos, o jovem se viu mais uma vez naquela mesma floresta em que fora abandonado a muito tempo atrás; havia 5 anos, e mesmo que não se lembrasse perfeitamente da floresta, uma parte daquilo estava marcada em sua mente. Por fim, acordou. Já eram 7 da manha, o clima já não estava frio, como na noite, mas uma leve brisa pairava pela cabana, uma vez que todas as janelas já estavam abertas, e a porta também. Ichiro, que continuava sobre o sofá, ergueu-se, sem muito sacrifício, e encarou seu treinador, com uma expressão de felicidade estampada em sua face. Houndour, estava logo abaixo do rapaz, ao seu lado, no tapete, encarando-o.

Os dois pokémons que acompanhavam o treinador, estavam melhores, seja graças ao tratamento que Lisa havia dado, ou por que não haviam tido danos muito graves. Quanto à Strider, não demorou muito para sentir uma fisgada em sua perna, porém nada tão grosseiramente doloroso como nos momentos em que estava no labirinto, emerso em escuridão e terra. Ao lado do jovem havia uma espécie de muleta, provavelmente da senhora, mas ele poderia usar por alguns instantes, uma vez que aparentemente a mulher estava do lado de fora da cabana. Oque ele faria agora? Houndour encarava-o, como se estivesse esperando por algo, ao qual havia se comprometido.

Gyusuki havia entendido o recado de Houndour, que, como em resposta à pergunta do jovem, acenou positivamente. Eis então que Strider tocou a cabeça do pokémon com a esfera bicolor que estava em sua mão. Imediatamente a esfera se abriu, e como em um lampejo azulado, Houndour foi sugado para dentro de tal dispositivo. O treinador o colocou no chão; onde a pokéball revirou-se por alguns instantes, e por fim, parou seu movimento, realizando um breve click, indicando que a captura havia sido realizada perfeitamente.

Ichiro observava a cena. O pokémon não estava acordado quando Strider encontrou-se com o cão, então desconhecia de onde teria surgido a criatura, e por que estava seguindo o rapaz; mas isso não lhe incomodava, pelo contrario, era uma nova companhia. A sala ficou silenciosa, apenas o calma brisa pairando pelo ar e agitando alguns galhos de arvores. A senhora ainda não estava ali, estava no lado de fora, próxima de uma arvore, colhendo algo.