O caminho ao longo dos corredores decorados pelas gavetas mortuárias foi, sobretudo, curto: Mais do que imaginaria, inclusive, visto que pouquíssimo tempo foi necessário antes que os olhos enxergassem uma nova abertura que, ao que tudo indicava, escoava novamente ao exterior. O silêncio do local, interrompido unicamente pelo baixo e constante som das lâminas do cortador de grama que liderava o caminho e também pelo barulho de estática que rodeava o pokémon, era quase ensurdecedor; Ali, a paz era levada ao pé da letra aos cadáveres resguardados nas vísceras do Monte - ainda que a moça desconfiasse que a tormenta do lado de fora fosse mais que suficiente para perturbar o descanso dos que já se haviam ido. O pensamento por si só já era responsável por um roçar gélido ao longo de sua espinha, considerando que com certeza estaria em apuros caso os mortos resolvessem "protestar" e se levantar para bradar contra a tempestade mas, enfim, optou por deixar essa hipótese de lado: Não queria atrair a situação para si e, se fosse levar em conta tudo que vinha passando pelos últimos tempos, era melhor nem arriscar.
Mal tinha abandonado o exterior, e exatamente por isso não pretendia voltar de imediato sem recuperar um pouco de fôlego e curtir a tranquilidade temporária que as catacumbas traziam para si. De todo modo, porém, sua primeira reação ao observar a fenda que encaminhava para o lado de fora foi se aproximar da entrada/saída, para que pudesse verificar qual era a situação daquele lado do Monte: Talvez não estivesse muito melhor que aquele pelo qual viera, mas sem dúvidas serviria para que pudesse decidir por qual dos lados seguiria caminhada quando necessário, afinal, a distância entre ambas as passagens não era tão absurda. O trabalho não levou muito tempo, primeiro porque existia uma segunda direção a qual poderia seguir mas, principalmente, pelo fato de que estava sendo atrapalhada por... Puxões?
Afastando-se da saída, a moça adentrou a "porta" que desembocou no salão. Não para explorar - muito pelo contrário. Com paciência, os dedos trabalharam para retirar a mochila das costas e, apoiando os joelhos no chão, fez o mesmo com a bagagem, observando a maneira como alguns pequenos feixes de luz escapavam pelas frestas do zíper - o cenho se franziu com suavidade diante não só da iluminação, como também da estranha movimentação por baixo do tecido. Questionou-se por um instante se algum de seus monstrinhos havia escapado da pokéball, mas a opção logo foi descartada: Os únicos ainda aprisionados eram extremamente maiores que uma mochila e, bem, se isso acontecesse provavelmente só lhe restariam alguns farrapos rasgados como resultado.
Não alimentou o mistério do interior do acessório: Ainda que com um pouco de hesitação, os dedos seguraram o chaveiro pendurado no zíper e, com um movimento paciente, o deslizou para o lado oposto para que pudesse o abrir, enquanto se questionava se não teria deixado alguma lanterna acesa, algum aparelho eletrônico ou qualquer coisa do tipo - infeliz ou felizmente, não teve muito tempo para refletir sobre as inúmeras possibilidades quando uma pequena bola rosada "saltou" para o lado de fora. Não chegou a receber um susto, mas o sobressalto foi inevitável; O cenho se franziu com sutileza enquanto a mão se apoiou na parte superior da mochila e a puxou para trás... ... ...
Apenas para se deparar com dois grandes olhos brilhantes. Os próprios se abriram um pouco mais, e a ruiva encarou em silêncio quando a diminuta criatura piscou algumas vezes, inclinando a cabeça vagarosamente para o lado e olhando de um lado para o outro, com cautela quase indescritível: Ao se dar conta das outras presenças na sala, porém, afundou um pouco mais em direção ao interior da mochila, utilizando o pouco pano restante como um "esconderijo" da atenção alheia, movimentando as patas para frente do rosto e o ocultando atrás das longas garras, desajeitado. A atitude foi mais que suficiente para captar por completo a atenção da moça, e um sorriso suave pincelou seus lábios antes do que ela própria fora capaz de perceber: E, falando nisso, foi só nesse momento que se recordou do ovo que carregava até então. Oh, foram tantos problemas e tanta coisa na cabeça que acabara esquecendo completamente!
— Ei, amiguinho... — Chamou, com um sorriso simples. Os dedos escorregaram para o interior da mochila, tocando com delicadeza a superfície morna das garras do recém-nascido, observando-o se encolher um pouco mais e, de maneira infantil, "entreabrir" com lentidão um espaço entre duas unhas, espiando pela fresta resultante do movimento. — Ei, não precisa se esconder aí. Não vamos te morder! — Brincou. A pequena toupeira se manteve imóvel por algum tempo e, devagar, começou a se movimentar para descobrir o focinho, hesitante; Ao ver o círculo róseo novamente, a ruiva o tocou com suavidade com a ponta do indicador, enquanto o pequenino apertava os olhos em resposta ao contato. Ainda que demorasse alguns segundos e ao seu próprio ritmo, o bípede finalmente pareceu encontrar coragem ao colocar o nariz para fora da mochila e, a seguir, a cabeça; Introvertido, sua atenção primeiramente foi fisgada para Rotom, que sequer o olhava - fato que Chase não deu atenção, inicialmente -, para Vileplume - que deu um pequeno e animado aceninho - e, por fim, para Nosepass. Sem jeito, o filhote moveu bem devagar as garras em um "cumprimento de dedos" antes de esconder o nariz novamente por trás do tecido da mochila, encarando curiosamente o exterior. — Tudo bem. Você pode sair. — Incentivou, e as palavras foram suficientes para que o terrestre voltasse o olhar para a treinadora, movimentando as garras devagar, pensativo.
Apesar de tudo, Chase deu-lhe seu tempo: Que, felizmente, não foi muito. Após alguns segundos demorados, o rechonchudo animal começou a se movimentar para sair de seu "casulo"; A jovem auxiliou o pequenino a apoiar os pés no chão e, só então, fechou o zíper outra vez, apoiando a mochila nas costas e observando a maneira como a toupeira esfregava um pouco os pés no piso, sentindo a resistência e a superfície do terreno. Sua minúscula cauda se balançou para lá e para cá - entretanto, não se demorou muito por ali. Um baixíssimo tilintar de sino foi o que chamou a atenção do bípede, que voltou o olhar de imediato para Nosepass, finalmente encarando o acessório brilhante carregado pelo pedregulho: Com passos meio tortos e curtos, o pequenino se aproximou (não o suficiente para alcançá-lo, porém), encarando com curiosidade a sineta pendente de um dos bracinhos da estatueta. Felizmente, ainda que próximo, não parecia inclinado e nem com vontade de tentar tomá-la para si, ainda que interessadíssimo no objeto. Um sorriso abobado brincou pela boca da toupeira quando um novo tilintar baixo ecoou do sininho, e suas patas se moveram para cima e para baixo, um cry manso e contente emitido na direção do pedregulho. A interação, sobretudo, seria uma "mão na roda" para a treinadora - porém, não era isso que passava por sua mente enquanto os distantes orbes acinzentados observavam em silêncio a interação entre os dois baixinhos.
Se parasse para pensar, era... Irônico. O silêncio do local, seu vazio - do lado de fora, o caos. Era como se estivesse em uma... realidade alternativa, sob constante vigília dos túmulos daqueles que já haviam partido e, acima de tudo, era obrigada a encarar o primeiro contato de Drilbur e Nosepass. Não entenda mal: Por si só, seria ótimo que uma amizade florescesse entre ambos os monstrinhos mas, bem, a ruiva era incapaz de separar aquele cenário com o maldito de outrora; Um distante, aliás. Com um Probopass, um lago gélido e dois fantasmas perdidos do passado - um deles, inclusive, mantinha posse de um Excadrill.
Gabriel foi o primeiro nome que se carimbou em sua cabeça.
Richard foi o segundo.
Com sutileza, os dedos de uma mão se apertaram vagarosamente por sobre a palma. A moça engoliu a seco, e a respiração se alterou por um brevíssimo momento - ali estava, praticamente reencenando um ocorrido do passado. As memórias, naquele lugar e naquele instante, eram mais vívidas do que nunca: Sentiu as pernas tremularem mas, felizmente, não perdeu o equilíbrio. De um lado, uma lembrança do inferno e, do outro, uma vida nova em um mar mórbido de morte. Dentro de seu coração, sentimentos adormecidos se agitaram, reverberando com a mesma violência da tormenta que desaguava no exterior do Monte. Por um instante, as pálpebras se apertaram, e uma profunda respiração trouxe para dentro de si o odor mórbido de morte que inevitavelmente circulava pelo vazio do salão.
...Então, veio o choro.
Não o havia reparado antes - e foi exatamente por isso que o sobressalto a atingiu com uma pancada violenta. De uma só vez, os orbes encontraram a liberdade há pouco perdida e, assustadiços, vagaram desgovernados pela ala mal iluminada. Não se depararam com ninguém mas, naquele momento, percebeu que seu fantasma elétrico havia se afastado e agora observava as duas levas de escadas no canto do lugar: Mais especificamente, aquela que levava aos andares superiores. O animal, apesar de tudo, se mantinha estranhamente estático, o sorriso eterno pintado no rosto enquanto os vítreos olhos esverdeados encaravam a escuridão acima de sua cabeça.
Um outro soluço ecoado que descia pelos degraus foi o responsável por destravar o movimento de suas pernas. O primeiro desejo impulsivo que correu por todo o seu corpo foi o de correr para longe, o mais rápido possível: Independente da chuva, dos caminhos escorregadios, dos obstáculos, todas as células de seu corpo berravam para que fugisse e não ousasse olhar para trás. O temor se agarrou aos seus ombros do mesmo jeito que as garras dos demônios o fizeram com seu pescoço e, por uma fração de segundo, sentiu-se sufocar. Os ombros se retesaram, e os olhos se perderam no vazio sombrio que esperava no topo dos degraus envelhecidos de pedra; Ainda que fosse capaz de se mover, o peso repentino que sentiu se apoiando em seu corpo foi o responsável por não fazê-la sair do lugar e, àquela altura, era um detalhe que merecia agradecimento: Sabe-se lá que tipo de desastre poderia ter ocorrido se, de fato, houvesse disparado sem rumo por aí, não é?
...
Não tinha certeza de quando tempo se manteve parada no lugar, encarando a escuridão. Sentia a ardência causada pelas unhas se apertando com firmeza contra a pele clara, mas em momento algum diminuiu a força por elas imposta. Ainda que seu coração clamasse pelo oposto, o corpo vagarosamente se moveu na direção das escadas - em silêncio sepulcral, parou em frente ao primeiro degrau, sentindo o palpitar desesperado do músculo dentro do peito. Naquele momento, não enxergou o agora quarteto de monstrinhos que a acompanhava, embora estivesse ciente da luz emitida pelo (provavelmente) mais poderoso deles; E foi com os membros trêmulos que arriscou o primeiro passo na direção do vazio que a esperava acima.
Um, dois, três degraus. Um ritmo constante, lento, mas suficiente para mantê-la em movimento. A mão livre - que não era maltratada pelas próprias unhas, quer dizer - se apoiava com firmeza contra a parede, encontrando ali o apoio necessário para seguir o caminho em direção aos lamentos constantes da ala superior. A ideia do vazio do lugar, até então, era algo que auxiliava a perturbar por completo todos os pensamentos e teorias que sequer começava a formular sobre quem seria a presença ali, naquele oceano de cadáveres apodrecidos.
— Olá? — Chamou, quase no topo das escadas. O olhar, desnorteado, buscava desesperadamente uma explicação e origem do choro contínuo - e, acima de tudo, o coração rezou para que a resposta à "pergunta" não fosse uma voz humana ou, pior, uma que conhecesse. Naquele instante abandonado ao próprio tempo, desejou que as correntes amaldiçoadas de duas existências distantes não retornassem para, enfim, aprisioná-la com sucesso entre os tantos túmulos que já decoravam as silenciosas catacumbas. — Olá? — Insistiu, ainda que não realmente quisesse fazê-lo.
Por céus, não agora - não de novo.
Por favor, que aquele maldito som não passasse de um momento de insanidade.
Mal tinha abandonado o exterior, e exatamente por isso não pretendia voltar de imediato sem recuperar um pouco de fôlego e curtir a tranquilidade temporária que as catacumbas traziam para si. De todo modo, porém, sua primeira reação ao observar a fenda que encaminhava para o lado de fora foi se aproximar da entrada/saída, para que pudesse verificar qual era a situação daquele lado do Monte: Talvez não estivesse muito melhor que aquele pelo qual viera, mas sem dúvidas serviria para que pudesse decidir por qual dos lados seguiria caminhada quando necessário, afinal, a distância entre ambas as passagens não era tão absurda. O trabalho não levou muito tempo, primeiro porque existia uma segunda direção a qual poderia seguir mas, principalmente, pelo fato de que estava sendo atrapalhada por... Puxões?
Afastando-se da saída, a moça adentrou a "porta" que desembocou no salão. Não para explorar - muito pelo contrário. Com paciência, os dedos trabalharam para retirar a mochila das costas e, apoiando os joelhos no chão, fez o mesmo com a bagagem, observando a maneira como alguns pequenos feixes de luz escapavam pelas frestas do zíper - o cenho se franziu com suavidade diante não só da iluminação, como também da estranha movimentação por baixo do tecido. Questionou-se por um instante se algum de seus monstrinhos havia escapado da pokéball, mas a opção logo foi descartada: Os únicos ainda aprisionados eram extremamente maiores que uma mochila e, bem, se isso acontecesse provavelmente só lhe restariam alguns farrapos rasgados como resultado.
Não alimentou o mistério do interior do acessório: Ainda que com um pouco de hesitação, os dedos seguraram o chaveiro pendurado no zíper e, com um movimento paciente, o deslizou para o lado oposto para que pudesse o abrir, enquanto se questionava se não teria deixado alguma lanterna acesa, algum aparelho eletrônico ou qualquer coisa do tipo - infeliz ou felizmente, não teve muito tempo para refletir sobre as inúmeras possibilidades quando uma pequena bola rosada "saltou" para o lado de fora. Não chegou a receber um susto, mas o sobressalto foi inevitável; O cenho se franziu com sutileza enquanto a mão se apoiou na parte superior da mochila e a puxou para trás... ... ...
Apenas para se deparar com dois grandes olhos brilhantes. Os próprios se abriram um pouco mais, e a ruiva encarou em silêncio quando a diminuta criatura piscou algumas vezes, inclinando a cabeça vagarosamente para o lado e olhando de um lado para o outro, com cautela quase indescritível: Ao se dar conta das outras presenças na sala, porém, afundou um pouco mais em direção ao interior da mochila, utilizando o pouco pano restante como um "esconderijo" da atenção alheia, movimentando as patas para frente do rosto e o ocultando atrás das longas garras, desajeitado. A atitude foi mais que suficiente para captar por completo a atenção da moça, e um sorriso suave pincelou seus lábios antes do que ela própria fora capaz de perceber: E, falando nisso, foi só nesse momento que se recordou do ovo que carregava até então. Oh, foram tantos problemas e tanta coisa na cabeça que acabara esquecendo completamente!
— Ei, amiguinho... — Chamou, com um sorriso simples. Os dedos escorregaram para o interior da mochila, tocando com delicadeza a superfície morna das garras do recém-nascido, observando-o se encolher um pouco mais e, de maneira infantil, "entreabrir" com lentidão um espaço entre duas unhas, espiando pela fresta resultante do movimento. — Ei, não precisa se esconder aí. Não vamos te morder! — Brincou. A pequena toupeira se manteve imóvel por algum tempo e, devagar, começou a se movimentar para descobrir o focinho, hesitante; Ao ver o círculo róseo novamente, a ruiva o tocou com suavidade com a ponta do indicador, enquanto o pequenino apertava os olhos em resposta ao contato. Ainda que demorasse alguns segundos e ao seu próprio ritmo, o bípede finalmente pareceu encontrar coragem ao colocar o nariz para fora da mochila e, a seguir, a cabeça; Introvertido, sua atenção primeiramente foi fisgada para Rotom, que sequer o olhava - fato que Chase não deu atenção, inicialmente -, para Vileplume - que deu um pequeno e animado aceninho - e, por fim, para Nosepass. Sem jeito, o filhote moveu bem devagar as garras em um "cumprimento de dedos" antes de esconder o nariz novamente por trás do tecido da mochila, encarando curiosamente o exterior. — Tudo bem. Você pode sair. — Incentivou, e as palavras foram suficientes para que o terrestre voltasse o olhar para a treinadora, movimentando as garras devagar, pensativo.
Apesar de tudo, Chase deu-lhe seu tempo: Que, felizmente, não foi muito. Após alguns segundos demorados, o rechonchudo animal começou a se movimentar para sair de seu "casulo"; A jovem auxiliou o pequenino a apoiar os pés no chão e, só então, fechou o zíper outra vez, apoiando a mochila nas costas e observando a maneira como a toupeira esfregava um pouco os pés no piso, sentindo a resistência e a superfície do terreno. Sua minúscula cauda se balançou para lá e para cá - entretanto, não se demorou muito por ali. Um baixíssimo tilintar de sino foi o que chamou a atenção do bípede, que voltou o olhar de imediato para Nosepass, finalmente encarando o acessório brilhante carregado pelo pedregulho: Com passos meio tortos e curtos, o pequenino se aproximou (não o suficiente para alcançá-lo, porém), encarando com curiosidade a sineta pendente de um dos bracinhos da estatueta. Felizmente, ainda que próximo, não parecia inclinado e nem com vontade de tentar tomá-la para si, ainda que interessadíssimo no objeto. Um sorriso abobado brincou pela boca da toupeira quando um novo tilintar baixo ecoou do sininho, e suas patas se moveram para cima e para baixo, um cry manso e contente emitido na direção do pedregulho. A interação, sobretudo, seria uma "mão na roda" para a treinadora - porém, não era isso que passava por sua mente enquanto os distantes orbes acinzentados observavam em silêncio a interação entre os dois baixinhos.
Se parasse para pensar, era... Irônico. O silêncio do local, seu vazio - do lado de fora, o caos. Era como se estivesse em uma... realidade alternativa, sob constante vigília dos túmulos daqueles que já haviam partido e, acima de tudo, era obrigada a encarar o primeiro contato de Drilbur e Nosepass. Não entenda mal: Por si só, seria ótimo que uma amizade florescesse entre ambos os monstrinhos mas, bem, a ruiva era incapaz de separar aquele cenário com o maldito de outrora; Um distante, aliás. Com um Probopass, um lago gélido e dois fantasmas perdidos do passado - um deles, inclusive, mantinha posse de um Excadrill.
Gabriel foi o primeiro nome que se carimbou em sua cabeça.
Richard foi o segundo.
Com sutileza, os dedos de uma mão se apertaram vagarosamente por sobre a palma. A moça engoliu a seco, e a respiração se alterou por um brevíssimo momento - ali estava, praticamente reencenando um ocorrido do passado. As memórias, naquele lugar e naquele instante, eram mais vívidas do que nunca: Sentiu as pernas tremularem mas, felizmente, não perdeu o equilíbrio. De um lado, uma lembrança do inferno e, do outro, uma vida nova em um mar mórbido de morte. Dentro de seu coração, sentimentos adormecidos se agitaram, reverberando com a mesma violência da tormenta que desaguava no exterior do Monte. Por um instante, as pálpebras se apertaram, e uma profunda respiração trouxe para dentro de si o odor mórbido de morte que inevitavelmente circulava pelo vazio do salão.
...Então, veio o choro.
Não o havia reparado antes - e foi exatamente por isso que o sobressalto a atingiu com uma pancada violenta. De uma só vez, os orbes encontraram a liberdade há pouco perdida e, assustadiços, vagaram desgovernados pela ala mal iluminada. Não se depararam com ninguém mas, naquele momento, percebeu que seu fantasma elétrico havia se afastado e agora observava as duas levas de escadas no canto do lugar: Mais especificamente, aquela que levava aos andares superiores. O animal, apesar de tudo, se mantinha estranhamente estático, o sorriso eterno pintado no rosto enquanto os vítreos olhos esverdeados encaravam a escuridão acima de sua cabeça.
Um outro soluço ecoado que descia pelos degraus foi o responsável por destravar o movimento de suas pernas. O primeiro desejo impulsivo que correu por todo o seu corpo foi o de correr para longe, o mais rápido possível: Independente da chuva, dos caminhos escorregadios, dos obstáculos, todas as células de seu corpo berravam para que fugisse e não ousasse olhar para trás. O temor se agarrou aos seus ombros do mesmo jeito que as garras dos demônios o fizeram com seu pescoço e, por uma fração de segundo, sentiu-se sufocar. Os ombros se retesaram, e os olhos se perderam no vazio sombrio que esperava no topo dos degraus envelhecidos de pedra; Ainda que fosse capaz de se mover, o peso repentino que sentiu se apoiando em seu corpo foi o responsável por não fazê-la sair do lugar e, àquela altura, era um detalhe que merecia agradecimento: Sabe-se lá que tipo de desastre poderia ter ocorrido se, de fato, houvesse disparado sem rumo por aí, não é?
...
Não tinha certeza de quando tempo se manteve parada no lugar, encarando a escuridão. Sentia a ardência causada pelas unhas se apertando com firmeza contra a pele clara, mas em momento algum diminuiu a força por elas imposta. Ainda que seu coração clamasse pelo oposto, o corpo vagarosamente se moveu na direção das escadas - em silêncio sepulcral, parou em frente ao primeiro degrau, sentindo o palpitar desesperado do músculo dentro do peito. Naquele momento, não enxergou o agora quarteto de monstrinhos que a acompanhava, embora estivesse ciente da luz emitida pelo (provavelmente) mais poderoso deles; E foi com os membros trêmulos que arriscou o primeiro passo na direção do vazio que a esperava acima.
Um, dois, três degraus. Um ritmo constante, lento, mas suficiente para mantê-la em movimento. A mão livre - que não era maltratada pelas próprias unhas, quer dizer - se apoiava com firmeza contra a parede, encontrando ali o apoio necessário para seguir o caminho em direção aos lamentos constantes da ala superior. A ideia do vazio do lugar, até então, era algo que auxiliava a perturbar por completo todos os pensamentos e teorias que sequer começava a formular sobre quem seria a presença ali, naquele oceano de cadáveres apodrecidos.
— Olá? — Chamou, quase no topo das escadas. O olhar, desnorteado, buscava desesperadamente uma explicação e origem do choro contínuo - e, acima de tudo, o coração rezou para que a resposta à "pergunta" não fosse uma voz humana ou, pior, uma que conhecesse. Naquele instante abandonado ao próprio tempo, desejou que as correntes amaldiçoadas de duas existências distantes não retornassem para, enfim, aprisioná-la com sucesso entre os tantos túmulos que já decoravam as silenciosas catacumbas. — Olá? — Insistiu, ainda que não realmente quisesse fazê-lo.
Por céus, não agora - não de novo.
Por favor, que aquele maldito som não passasse de um momento de insanidade.