[EVENTO] Se mentira tem perna curta uma centopeia é sem mentiras????? EM????

Ainda não tinha percebido. Estava frio.

O chão, as paredes, as grades. Tudo muito frio. Dizem que a raiva, rancor e ódio são melhor representados pelo fogo e pelas chamas. Mas por mais que a racionalidade seja associada ao frio, poucas coisas superam uma tempestade de neve ou uma avalanche.

Depois de muita turbulência e turbidez gerada pela escassez, as coisas começavam a fazer sentido. Fui até o cadeado e tentei examiná-lo. E senti uma mão mexendo suas engrenagens. Seria aquilo real ou, sei lá, teria outra visão maluca.

Tudo por acontecer.

Inclusive nada.

Será que finalmente a realidade resolveu dar o ar da graça?

Meus olhos fitaram a figura à minha frente como um náufrago avistando uma embarcação, ou um perdido no deserto vislumbrando um oásis. E como tais, relutava em crer que Winnie estava ali de verdade. Se não era essa coisa toda me pregando outra peça. Senti outro toque em minhas mãos e um puxão forte.

Era minha vez de ser salvo.

Na verdade, há momentos que tudo que precisamos é isso, uma mão amiga para nos salvar. Alguém que não faça julgamentos, que não tome decisões por você ou que desdenhe de seus pensamentos e sentimentos. Alguém que só valide e dê suporte, não entregue uma solução baseada em sua própria vivência. Porque mesmo uma coisa pequena, se nos sonda, nos afeta. Mesmo que digamos “isso não me afeta”, ela afeta. Uma brisa suave pode ao mesmo tempo refrescar o rosto de um trabalhador cansado e bagunçar o cabelo de um modelo fotográfico. Uma chuva pode trazer alegria para um bando de crianças e estragar o encontro de um jovem apaixonado. Coisas pequenas, sim, mas nos afetam. Tem aqueles que dizem que só precisamos relevar isso e seguir em frente. Mas francamente: estamos sendo justos conosco negando sentir coisas? E ao negar esse sentimento do outro, não estamos sendo duplamente injustos?

É nesses momentos que precisamos de um amigo. Um amigo verdadeiro legitimaria seu sentimento, mesmo que logo em seguida te chame de louco e te estapeie a cara. Legitimaria o peso em cima de você antes de olhar para o mesmo e constatar que não é nada.

Um amigo de verdade se importa com você e escreve suas histórias junto com você, não por você.

Uma amiga pegava na minha mão e me tirava do quadrado gélido e escuro.

E aos poucos descobriremos o que está além da cova dos leões.

Vamos a isso. Daqui para nunca mais.

O toque era firme e quente. Por mais que houvesse sujeira, fuligem, sangue ou qualquer outra coisa, já que não tinha como saber, os dedos da garota me faziam entender prontamente que não se tratava de uma ilusão. Era real.

O começo teve alguns tropeços. Depois consegui andar. E aí tudo fez sentido. Winnie! Antes mesmo de chegar onde iríamos chegar, puxei instintivamente a garota para o meu lado e a abracei. Afundei o rosto no ombro dela, mas as lágrimas não desceram. Não tinha vontade de chorar, na verdade. Era só um sentimento avassalador de alívio em finalmente entender o que é real, quais sentimentos e relações eram verdadeiras naquele lugar.

Depois de algum tempo, me afastei um pouco e balancei a cabeça positivamente. A vontade era dizer um “obrigado”, mas não sei se seria permitido fazê-lo, já que ela me foi tirada instantes atrás. E então juntos chegamos até um tipo de biblioteca.

A caixa com os anéis? Faziam tanto sentido quando os cadeados, mas talvez houvesse alguma importância ali. O que realmente era importante para mim era o que estava sobre a estante: estátuas iguais as dos meus Pokémon quando aquela mulher os tomou de mim. Raiva? Alívio? Medo? Uma avalanche de sentimentos. Ali as lágrimas desceram. Tentei dizer o nome deles. Possivelmente será um esforço em vão, mas tentei. E fui até cada um deles, pegando um por um com todo o cuidado. Será que os Pokémon de Winnie estavam ali também?  

Um alívio imediato me tomou o peito quando a esfera alva flutuou em minha direção e desfez o que quer que tenha acontecido para que minha voz tivesse sumido. - Aaah! - um suspiro. Foi a primeira coisa que vocalizei depois de tudo isso. Levei a mão ao pescoço e pisquei inúmeras vezes antes de entender que não havia nada de errado, era só minha voz de volta onde não deveria ter nunca saído.

- Winnie! - uma exclamação. Foi a segunda coisa. O nome da garota que mal conheci e já devo minha vida, por tudo que aconteceu. A derrota e o aprisionamento foram amargos, duros de engolir. E talvez nunca consiga digerir. Mas tínhamos de sair dali, e não dava para fraquejar como antes. Fechei os olhos, inspirei fundo e com, como toda a força e determinação que há em mim, bati com a palma das duas mãos contra o rosto, gerando um estalo e tanto. - Desculpe a demora. - pronto, agora estava 100% em mim novamente. Não era mais um peso ou fruto das escolhas que tomaram por mim. Era eu no comando novamente. E não importa o que o destino reserve ou queira decidir por mim, essa é a última vez que deixo essas mãos conduzirem minha história.

E essa não é uma promessa. É um descreto.

Na estante havia uma série de outros Pokémon. Inclusive pude ver Sleipnir e Hati, parceiras de Winnie! Apontei para a jovem antes de seguir na direção dos meus. - Kinney… - sussurrei o nome de minha primogênita, minha primeira parceira. Logo me veio a lembrança de quando ela evoluiu e fugiu, espantada com o que aconteceu. Uma luz envolveu sua peça, indo para um canto da sala, onde estavam minhas coisas. Mas isso era o de menos. “E ai parceiro, pronto pra quebrar tudo?”. Aquela voz. A mesma que ouvi saindo de sua boca durante a viagem até o Dream World. Era Kinney! - Leona… - disse o nome de minha fada, e logo a visão dela enfrentando Wrong Turn acertou meu peito em cheio. “Não foi sua culpa! Nós lutamos juntos, se lembra?”. Sim, eu me lembro, Leo. - Bahlok… - o som de trovões ecoa em minha mente, mas a lembrança era outra. Um pequeno Bagon, pronto para me acertar uma cabeçada, depois ele em meus braços, caindo em uma nascente. “Heh. Tá bom, agora eu fiquei irritado!”. Nem me fala, garoto. Nem me fale. - Ciri… - a pequena Vulpix alolana que surgiu de um ovo, logo cresceu e lidou com um bando de Taillows. “Isso acontece, Gal. Vamos lá, temos trabalho a fazer!”. - Groen… - o gentil Seel, aprendendo a nadar e superar desafios desde seu primeiro momento conosco. “E-eu vou dar o meu melhor!”. Sei disso, garoto. - Howlett…- meu caçula, por assim dizer. O mais novo recruta. Sua vida em minhas mãos naquele Centro Pokémon em meio a tempestade. “Sniff… sniff… alguém… qualquer um… me ajuda…”. Essa voz. Não conheço, mas de alguma forma sei que é de Howlett. - HOWLETT! - não dá, é mais forte do que eu. Ouvir ele sussurrar por ajuda, com medo… é demais pra mim.

Os focos de luz terminam de pousar em minha bolsa. Tento liberar algum deles, mas não foi possível ainda. Eles ainda estavam presos em algum lugar. - Perdão pelo grito, achei ter ouvido Howlett pedir por ajuda… - eu sabia que ele tinha pedido, mas Winnie não tinha como saber disso. E pior. É bem provável dela pensar que enlouqueci. - Quando fui ao Dream World, meus Pokémon conseguiram falar comigo. E depois disso, às vezes consigo ouví-los na minha mente. - tentei explicar, por alto, o que se passava - Aparentemente tem a ver com os poderes de Leona, mas não sei ao certo. Howlett… ele está com medo. - fechei o punho e senti o sangue ferver. Lancei um olhar para Winnie, sério e determinado. - Vamos dar um fim nisso.