Confusões em dobro!

#004

O caminho entre Lavaridge e Mountrock era realmente INCRÍVEL! Nós partíamos de uma cidade nas alturas, bem próxima do topo do vulcão do Mt. Chminey e descíamos um vale íngreme, apenas para subir um ainda maior. Nosso destino é Mountrock, uma das cidades mais antigas de Hoenn e que as lendas contam ter abrigado um poderoso Império que desafiava geografia e política. Uma cidade que cruza gerações, mantendo-se auto-suficiente até hoje, um fato indispensável pela sua complicada localização. Mountorck é extremamente elevada em relação ao nível do mar e possui cerca de 3000 metros de altura, cravejada como um diamante valioso no coração de Meteor Falls, nosso verdadeiro interesse. Era possível ver pouco da cidade durante o trajeto, pois ela ficava acima do teto baixo de nuvens. Contudo, o motorista do ônibus que nos trouxe disse que em dias de céu claro é possível ver a iluminação de Mountrock a noite, até mesmo do mirante lá de Lavaridge. Uma visão que deve ser mesmo única!

— Aaaai ai.... Luch! Já chegamos? — Dizia Luci, deitada no ombro de Yuri, mais dormindo que acordada. Ela havia insistido para vir na janela do ônibus e conseguiu com certa facilidade, já que Yuri não se interessava nem um pouco nisso. Eu estava num banco a frente deles, sozinho, mas sempre atento ao que acontecia por ali. — Estamos quase em Mountrock, agora é uma longa subida e estaremos lá... — Respondi para a garota, ajeitando-me novamente no banco. De acordo com meus cálculos, chegaríamos até a cidade logo após o anoitecer, então dormiríamos no Centro Pokémon e no dia seguinte sairíamos em expedição, para enfim encontrarmos e resgatarmos os tais Pokémon filhotes perdidos. E por falar nisso, quanto mais eu subia nessas montanhas e sentia os ouvidos estranhos pela diferença de altitude e pressão, mais eu me perguntava como alguém poderia ser tão cruel de abandonar Pokémon filhotes em um ambiente tão inóspito.

— Luch... Eu pensei bastante sobre o que me disse antes de partirmos... — Começou a dizer baixinho o garoto, ainda acordado. — Podemos dizer que... Eu estive observando as nuvens por um booom tempo e elas são bonitas, sabe? Eu quero que elas sejam — Disse ele, tentando esboçar um sorriso, ajeitando seus óculos de grau — Tenho certeza que serão como Slurpuffs engraçados! — Disse, fazendo-o rir e também sorrindo junto. — Agora tente dormir e quando chegarmos chamo você para irmos para o Centro Pokémon... — Comentei, puxando a coberta sobre os dois irmãos e depois voltando para meu banco, onde fiquei observando nossa subida através de nuvens, até podermos observar um céu limpíssimo e estrelado nas proximidades de Mountrock. Estávamos chegando e meu coração disparava de ansiedade.


Dia 5 — Após chegar em Mountorock, desembarcar nossas malas e mostrar novamente o Termo de Responsabilidade que me colocava como tutor dos Macchiato (algo que se tornava um verdadeiro hábito irritante nessa jornada), seguimos até o Centro Pokémon para deixar as malas e dormir um pouco. Não faria sentido entrar em Meteor Falls a pé com duas crianças durante a noite, mas faria isso com certeza logo pela manhã. Os dois irmãos não tiveram muito trabalho para apagar, pois já vinham praticamente cambaleando da rodoviária até aqui. Já eu, sofri um pouco mais até dormir, o que não abalou minha capacidade de acordar cedo, por volta das 08:30 hrs da manhã. Tomei um banho e me preparei, acordando os irmãos em seguida e mandando-os se arrumar, enquanto aguardava na recepção.

Desci antes deles e aproximei-me do balcão, pedindo informações para a Joy — Com licença Enfermeira... Mas poderia me explicar, por favor, mais ou menos como chegar até Meteor Falls daqui do Centro? — Disse com bastante calma e educação, me debruçando sobre o balcão. A mulher não se surpreendeu com a pergunta e explicou que eu era talvez o milésimo treinador que lhe perguntava isso, por isso a resposta já era quase automática. Havia uma van que fazia turismo e nos levaria por um tour nas áreas mais tranquilas do local e também havia a forma mais selvagem de chegar lá, através de duas trilhas principais e uma menos cuidada e segura, que nos levaria diretamente para uma caverna nada amistosa. Ela também explicou que de certa forma, já estávamos em Meteor Falls há muito tempo, já que Mountrock ficava no coração das cordilheiras e isso fazia sentido, já que durante nossa viagem era possível ver crateras que lembravam regiões de queda de meteoros.

Por fim, a Enfermeira me foi muito gentil em explicar que havia até mesmo um lago na região onde houve uma queda de meteoro e o "rombo" no centro do curso d'água havia feito um belo cenário de cascatas circulares, onde a água constantemente caía em uma caverna. Se eu tivesse "sorte" até poderia encontrar o lugar, mas eu não botava muita fé nisso, pois queria mesmo era encontrar os filhotes. Agradeci a ela e me afastei do balcão, aproximando-se da área comum, onde as crianças já chegavam e sentavam-se para um café da manhã. Comemos alguns ovos de Vullaby fritos e tomamos um MooMoo Milk que vinha de uma fazenda da própria cidade, pelo menos de acordo com o vendedor. Depois, finalmente pegamos o necessário para a exploração e seguimos pelas ruas até uma das trilhas  informada pela Enfermeira.

Eu procurava uma das mais fáceis para se chegar e entrar, contudo, no meio do caminho começava a duvidar sobre ter seguido o rumo certo, pois o lugar parecia um pouco diferente do que a Joy havia descrito. — Vamos nos apressar! Os filhotes estão esperando! — Gritava Luci, puxando gentilmente minha mão para seguirmos por ali mesmo, enquanto eu observava com mais cautela e cuidado. Yuri também observava com receio e abraçava o próprio corpo, mantendo-se quieto. Repassei mentalmente o trajeto e só podia ser ali, pelo menos de acordo com as dicas recebidas, então tratei de confiar na minha própria mente e seguir. Estava frio, muito frio e começava a me arrepender de não ter trago roupas mais pesadas para todos nós. Teríamos que nos virar com o que tínhamos e torcer para ao longo do dia o clima estar mais favorável. Que a sorte esteja ao nosso favor!

Seguia nosso caminho em direção a trilha escolhida com bastante cautela e respirava fundo a cada passo, ou pelo menos tentava respirar, nessa pequena ladeira que levava a entrada de um dos supostos pontos mais comuns de Meteor Falls. Eu apenas pude relaxar mesmo quando cheguei ao ponto mais alto do caminho e notei que lá embaixo havia o lugar tão procurado. Mesmo sendo cedo, já havia uma movimentação de gente muito grande e eu suspeitava que a tal história dos filhotes perdidos tenha corroborado para esse estado de quase lotação. Olhei então para as crianças e apontei o local — Como prometido, Meteor Falls! Agora vamos entrar e ver por onde poderemos seguir para procurar os filhotes... Na verdade, me sinto até perdido com tanta gente... — Comentei para os Macchiato, enquanto segurava as alças da mochila e continuava o trajeto. Luci e Yuri estavam igualmente empolgados, o que era uma coisa boa e a menina falava bem alto para sua voz tentar vencer o som das quedas d'água — É DEMAIS! TEM MUITA GENTE! MAS QUERO VER POKÉMON DIFERENTES! — E foi nesse clima que nos aproximamos de outras pessoas, claramente exploradores mais experientes que nós.

— Essas cordilheiras. Essa tonalidade das rochas... Luch. Há um lugar em Johto, onde nascemos, que era parecido. É chamado Mt. Silver, onde criaturas poderosas e treinadores habilidosos dividiam lugar — Comentou Yuri, com aquele jeito de adulto típico dele, ajeitando os óculos para soar mais maduro. Eu realmente tinha ouvido sobre e visto fotos sobre esse tal Mt. Silver, mas nunca havia visitado e o pouco que eu conhecia até conseguia fazer uma rara comparação, mas só. — A gente vai encontrar Pokémon parecidos com os de lá, será? — Perguntou Luci, empolgada com a possibilidade. Contudo, Yuri acabou cortando ela e explicando o que entendia sobre — Aqui é Hoenn, Luci. Então terá mais Pokémon daqui, né? Mas eu gostaria de ver um Skarmory voando, como via lá perto de casa... Acho eles tão bonitos, com as asas prateadas contra o Sol — Disse o garoto, sorrindo ao lembrar-se da casa, agora inundada.

— Foco pessoal! A gente tem que investigar melhor por aqui e com esse tanto de gente vai ser difícil achar um canto só nosso... Sabe de uma coisaa? Meo-Mey é boa em achar lugares mais quietos e calmos para dormir. Então vai nos ajudar. — E com a Pokébola de Mey em mãos, liberei a Meowth e um jorro de luz prateada. A Pokémon surgiu aos meus pés e estava tomando banho, lambendo sua pata e usando a própria pata para lavar as orelhas e a lateral do rosto. Quando notou que estava fora da Pokébola, simplesmente lançou-se no chão e espreguiçou-se para indicar preguiça de andar. Ela poderia ficar dias ali deitada dormindo, mas a multidão quase a pisoteando logo a fizeram despertar do "transe" e iniciar uma caminhada apressada em busca de um cantinho para descansar — Aí está! Agora é só seguirmos Meo-Mey e ela vai nos levar para a tranquilidade! Vamos! — Disse aos dois irmãos, ajeitando a mochila nas costas e apressando-me no meio da multidão para não perder a Meowth de vista.

Enquanto esperava Meo-Mey tomar uma decisão sobre achar um lugar para descansar, acabei notando que toda aquela multidão não estava ali simplesmente por conta própria e contavam até mesmo com um guia para mostrar os pontos turísticos de Meteor Falls. Contudo, realmente não estava interessado em um passeio guiado que limitaria minhas descobertas e aventuras aqui dentro, por isso tratei de apressar-me ao máximo para escapulir. Infelizmente, minha única chance de seguir adiante era passando bem no meio do grupo de pessoas e desaparecendo na primeira oportunidade. Porém, ao me misturar juntamente de Luci e Yuri, acabei notando um homem a fugir com sua mochila em costas, no sentido contrário. Meu primeiro pensamento inocente foi de que era alguém precisando de alguma ajuda, perseguido por um Golbat, por isso aproximei-me dele para tentar uma abordagem — Ei, tudo bem?! Você precisa de... — Mas logo notei que ele não reduziria sua velocidade e precisei esquivar-me às pressas para não ser atropelado — Eita, que sem educação...

Luci e Yuri nem tiveram tempo de comentar a situação, apenas olharam o homem afastar-se e as pessoas reagirem surpresas aos empurrões, quando eu senti que o chão se movia inesperadamente sob meus pés. Minha reação era levar as mãos a frente do meu corpo e apoiar-me no solo para não me machucar mais, porém não só meus pés estavam atados, como meus braços também e quem acabou recebendo todo o impacto da queda foi meu nariz. Luci, ao notar o ocorrido deu um grito agudíssimo que chamou ainda mais a atenção de todos para o ocorrido. Em pouco tempo havia uma "rodinha" aberta de pessoas surpresas com minha... posição... digamos assim. — UM POKÉMON TE PEGOU LUCH! É O FIM! — Gritava a menina com a mão na boca. Contudo, seu irmão ainda silencioso, observava com calma o que realmente acontecia.

Ele foi seguindo com o olhar aquela corda e notou que na extremidade oposta estava uma menina muito irritada e concentrada em seus objetivos — Acho que o "Pokémon" na verdade é uma menina... Que... Curioso... — Sorriu o garoto, um tanto sem graça e levemente assustado. De longe a garota que havia me "laçado" vinha correndo e eu não sabia nem como dizer isso. As palavras demoravam a sair — Ei colega! O que é isso? Me solta, por favor! Eu... Eu... Queisso?! — Falava apressadamente, com uma expressão de susto e com o nariz sangrando levemente pela pancada sofrida. Ninguém parecia nem respirar, tentando entender o ocorrido, portanto o silêncio ali reinava, com apenas alguns burburinhos aqui e acolá. O que essa garota queria comigo e quem era aquele louco que havia fugido ao passar por mim? Precisava urgentemente de resposta!

— Ah! Então era um ladrão? Eu fui atropelado por ele enquanto fugia... — Comentei com um pouco menos explosividade ao notar que a garota não havia feito aquilo por mal... Inclusive, minha voz parecia ficar mais baixa a cada palavra dita e eu sentia uma vergonha crescente dentro de mim. Apesar de ter contornado a minha timidez rapidamente no início da minha jornada, eu não preciso dizer que conversar com uma garota da minha idade ainda era uma tarefa complicada. O mais próximo disso havia sido a Joy e mesmo assim na primeira vez não foi uma tarefa tranquila. Eu só torcia para que minha face não ficasse enrubescida com facilidade, mas já nem contava mais com essa "sorte" nessa altura do campeonato. Após essas frases, acabou ficando-se um silêncio no ar. A menina retirava com facilidade os nós que me prendiam, mas tinha sua atenção no fugitivo e por isso ninguém falava nada. Mas é claro, a minha ansiedade me faria tentar quebrar o gelo — Pokémon legal, o seu né? — Eu falava sobre o Golbat e torcia para ser ouvido e não parecer um panaca, isso se o Pokémon realmente fosse dela, até porque a criatura não estava mais ali.

Quando as cordas finalmente afrouxaram-se dos meus braços e pernas, acariciei meus próprios pulsos, marcados e doloridos. Notei então que os Macchiato, praticamente abraçados juntos, me olhavam com certo medo — Ok, estou bem. Logo logo nós vamos seguir por aí, não se preocupem — E quando já estava falando, me toquei de que olhavam para meu nariz sangrando levemente. — Ah, isso? É normal. Acontece sempre! Haha! — E usei um pano que guardava num dos bolsos mais acessíveis da mochila para limpar. Quando estava resolvendo isso, um outro elemento chegou próximo a garota e parecia completamente exausto e esbaforido. Pensei rapidamente se tratar do namorado dela e aproveitei-me para sair de fininho, mas quando ia me virando de costas, fui surpreendido pelo tal rapaz perguntando se EU era o namorado dela. Meu rosto certamente se transformou em um pimentão vermelho e eu me virei com os olhos esbugalhados, porque pelos risinhos do público, eles já pensavam em situações maldosas há um tempo, só eu que não havia notado.

Para agravar a situação, Luci ao ouvir a pergunta já abriu um enorme sorriso e passou de assustada para encantada, levando as mãos com ternura ao próprio rosto — Você tem uma namorada e não nos contou, Luch? QUE LINDOOOOO! — Gritou a menina indo até a garota misteriosa e a abraçando em suas pernas. Yuri, que era mais reservado, simplesmente ficou congelado observando a situação com mais dúvidas do que poderia suportar. Agarrei Luci pelos ombros e a trouxe para perto de mim, afastando da menina — Não! Não é isso! Ela não é nada minha! — Disse sem pensar e até bem alto e logo me toquei de que poderia ter sido bem grosso e rude — Não que você não pudesse ser... — Tentei corrigir, mas acabei piorando a situação — Digo, vocês entendem, não é? Qual é, pessoal? — Comentei, olhando ao redor e tentando achar uma escapatória que veio milagrosamente das proximidades da saída da caverna. Um homem, o mesmo de antes, jazia caído no chão, sendo abordado pelo Pokémon Morcego de antes, possivelmente pertencente à garota ou o seu amigo.

— Há! Ali está o cara e esse Pokémon super legal! — Comentei, já sacando a Pokédex do bolso e buscando disfarçar a situação, afastando a atenção das pessoas de mim, conforme chegava mais longe de todos para usar o aparelho:

"Beep! Golbat! Pokémon Morcego! Uma vez que ele ataca, não para de drenar energia da vítima, sugando cerca de 300 mililitros de sangue instantaneamente na primeira mordida até ficar pesado demais para voar. Ele então se torna uma presa fácil para outros Pokémon. Ataca de forma silenciosa e furtiva, sem avisos, utilizando de suas longas presas para morder e sugar o sangue da presa, mesmo que possua uma pele extremamente dura. Tem a capacidade de alterar seu próprio tipo sanguíneo para o da vítima, evitando assim rejeições, depois de uma grande ingestão. Golbats voam mais ativamente  pelas noites mais escuras, sem luz do luar, em busca de sangue fresco para sugar, sejam de pessoas ou Pokémon! Beep! Boop!"

Chamei os Macchiato para perto e tentei ficar fora do caminho. Esperei que a menina fosse até o tal criminoso para segui-la e entender o que aconteceu. Será que tudo isso tinha alguma relação com os filhotes desaparecidos? Se fosse o caso, eu poderia obter mais informações da garota e com isso ficar mais próximo dos meus objetivos. Apressei-me para ficar o mais próximo possível, mas na retaguarda, assim evitava ser obstruído pela multidão de curiosos que logo se fechariam ao redor do homem. Enquanto isso, me manteria em silêncio para não ser muito notado — Ok pessoal, fiquem atentos sobre novidades, mas caladinhos. E não saiam de perto de mim, ok? Esse homem pode ser perigoso — Terminei de comentar, levando mais uma vez meu pano até o nariz para estancar um início de um novo sangramento.