As desventuras de Shuckle & Wooper #2

off:

Poucas são as coisas que acalentam uma alma voltada ao oceano do que o odor gentil e salitre da maresia, a brisa balançando entre a praia e as ondas que desaguam na areia clara que antecede a imensidão azul. Principalmente levando em consideração todas as caóticas experiências que ultimamente vinha lidando (claro, excetuando-se o breve e passageiro momento que se aninhara ao abraço da fazenda de Shion e, ao que tudo indicava, agora também da companheira que pretendia encontrar), ora, que mais poderia pedir além de uma tranquilidade hipnotizante no limiar de sua, enfim, cidade natal?

— ...Por que é que eu demorei tanto tempo pra vir pra cá? — Murmurou, os orbes cinzentos se perdendo no horizonte sem fim; É verdade que já havia pisado algumas vezes em Olivine por conta da base da sociedade construída no coração da cidade - entretanto, porém, contudo e todavia, nunca havia se dado ao luxo de passar mais que meros minutos, uh, conscientes. Talvez, quem sabe, o coração a convencera a simplesmente esperar a sagrada companhia da criminosa de madeixas douradas para que desfrutassem daquele paraíso aquático juntas, mais uma vez, após tantos anos não só separadas, mas imersas em uma escuridão sádica causada pelo próprio criador celestial.

...Respirou, suspirou.
E pensar que sequer ali teriam paz, em realidade.

As pupilas se esquivaram, por um instante, na direção do aparelho alaranjado que carregava entre os dedos. A tela cintilava, colorida, denunciando a mensagem enviada por um número desconhecido que reconhecia bem da fracassada missão em Sienna - mas, sinceramente, mais pelo minúsculo "R" rubro que se estampava em um selo discreto ao fim da breve descrição da missão na qual fora incumbida de fazer e, por mais patético que pudesse parecer, haviam resolvido botar não só o seu nome, como também o de Bley naquele bolo babaca de responsabilidade.

Caixa preta pelo Silver Ocean, sério?
...Parecia até que estavam sendo vigiadas, né?
Ugh.

Devo dizer, então, que era exatamente por isso que os trajes não eram um simples biquíni, maiô ou algo do tipo, oh, não - era com uma belíssima roupa de mergulho neoprene que se permitia caminhar pela areia, um casaco simples por cima e a mochila impermeável na qual convenientemente havia enfiado todas as suas coisas. Quer dizer; Não era a primeira vez que tinha um trabalho a fazer que envolvia se jogar no meio da água e torcer pelo melhor, tá ligado?

— ...Ei! Demorei? — Foi o que disse, enfim, ao finalmente chegar próximo à moça - um sorriso gentil passeando pelo rosto ao vê-la que nem peixinho dentro d'água. Será que valeria a pena deixar a notícia de que tinham trabalho pra, sabe, depois? — A fila do correio tava uma desgraça, e eu ainda tive que passar pra comprar umas coisas pro Shion. — Comentou, bagunçando os cabelos com uma das mãos e dando alguns pulinhos para o começo do mar. — Descuuuuuulpa!

Mas, ah, quem é que queria enganar, no fim das contas?
Independente do quanto tentasse, torcesse ou simplesmente se recusasse a falar sabia que, no fim das contas, não teria jeito - Karinna podia ser meio desmiolada às vezes mas, sinceramente, não era burra. Principalmente quando aquele tipo de coisa estava em jogo, entende?

...ou talvez pudesse ser culpa sua, sendo transparente até demais diante da companheira de infância.
Vai saber.

— ...Pfft. — Veio o riso engasgado, contido, ao enxergar a cena boba de uma Dragonair cabeluda ao lado de Bley. A gargalhada, porém, escapou de vez ao que a graça da loira fê-la permitir a invasão exagerada de água do mar para dentro do estômago, emitindo barulhos hilários e característicos de quem se engasga - o que poderia até preocupá-la, não fosse o pequeno fato de que vaso ruim não quebra (de verdade) e de que Karinna já devia estar careca de lidar com aquele tipo de sensação. — ...Ah? Tenho quase certeza que você ligava um pouco menos pra moda, da última vez que estivemos aqui... Ou em qualquer outro lugar! — Debochou, os dedos apertando com discrição o traje neoprene extra que amassava entre os dedos.

Como já foi dito, porém...
Transparência, né?

— ... ... ...é. — Admitiu, um riso meio sem jeito - não tentou fazer firula, enrolar ou qualquer coisa do tipo; Só acabaria com o humor da madame e, sinceramente, não estava disposto à fazê-lo... Ainda mais. — Entra aí dentro, princesa. — Um sorriso sem graça, um giro de punho e arremessou o traje na direção da moça, observando enquanto Bley se virava para botar, com certo mal jeito, seu belo e novo uniforme. — Olha, mas nem é tão ruim. Pretinho básico, corpo todo... 'Cê tá muito exigente, isso sim. — Censurou, chutando um pouco d'água e criando coragem para entrar de vez na água, logo depois de liberar seu belíssimo eletrodoméstico aquático. Sinceramente, ele não seria sua primeira escolha para um mergulho... Mas, considerando que não pretendia realmente abandonar a superfície por muito tempo, não via mal nenhum em deixar que Balthazar tomasse a dianteira como bóia marinha.

— ...você, — Disse, devagar, a mão sorrateiramente escapando da água para se dirigir à barriga exposta da monotreinadora. — tá ficando muito mal acostumada com isso, Karinna Bley. — Denunciou, impondo força no tronco da moça e obrigando-a a afundar nas águas, um sorriso de deboche e travessura com a consciência de que logo viria a reclamação. — Ninguém, sua banana. Mas... A gente tem que ir atrás da caixa preta de um helicóptero, parece, porque uns cara sumiram durante um treinamento. Dá pra acreditar? E ainda vamos ter que fuçar atrás dos bonitos... — Revirou os olhos, apoiando os dos braços na tampa de seu pokémon enquanto observava o horizonte azul. — Não parece que é muito longe daqui. Lá pra Yellow Isle. — Suspirou. — Se a gente for logo, dá pra voltar antes de anoitecer... Com um pouco de sorte. Que que cê acha? — Considerou; Já estava preparada para partir na direção da bendita ilhazinha, mas... Tinha consciência de que precisavam seguir com cautela mar adentro.

Apesar de magnífico, ele também sabia ser traiçoeiro.

off:

— Você acha? Sinceramente, não sei, não. Se aparecer um Kraken tentando esganar a gente, eu não vou nem me surpreender. — Rebateu, um riso quieto em resposta à própria desgraça; Pelo menos os machucados não estavam tão recentes assim e, hah, só tô pontuando isso porque, felizmente, podia se mexer direito naquela belíssima missão que (ainda) não parecia suicida. — Eu nem sabia que helicóptero tinha caixa preta. Achei que era só avião, sei lá. É meio burro da minha parte ou algo assim? — Perguntou, franzindo a ponte do nariz com discrição, apoiando os dois braços sobre a tampa do elétrico e deixando um suspiro manso escapar...

— ...Ninguém me bateu. Quer dizer, sim, mas... — Pausa. Tá; Sabia que não tinha como ficar enrolando aquele assunto, ou a mais velha ia simplesmente tocar fogo na Babilônia e a pior parte era que nem tinha alvo para queimar. — ...foi o Zuby. — Outra pausa. — ...é, meu Nidoking. Não, ele não surtou. — Um suspiro. — ...eu mandei. A outra alternativa era ir presa, provavelmente, então eu não tava muito afim. — Admitiu, encolhendo os ombros com discrição. — A missão em Sienna foi uma bosta. Eu te digo uma coisa, eu nunca mais vou botar um dedo em missão de inteligência, a menos que me paguem pelo menos uns 20k, sei lá. — Reclamou, balançando a cabeça com sutileza. Sabia que ia acabar levando uma bronca, mas era melhor simplesmente arrancar de vez o band-aid do machucado, né?

— Sinceramente, por mim tá ótimo. Qualquer coisa é só a gente jogar charme pro "capitão" e torcer pelo melhor? — Riu, um dar de ombros relaxado. — Vamo ver se a gente tem sorte hoje, porque acho que a gente morre se for nadando, mesmo. — Comentou, olhando brevemente ao redor... Então, sim; Hora de ir na direção desses tais barquinhos à vela, né?

Ajuda aí, ademir.

Eu acho isso um absurdo - tanto não poder evoluir meu eelektrik, quanto ser um "fracasso total". Saiba que não foi bem assim, ok? Infelizmente, calhou da cobaia aqui se lascar por algumas coisas não definidas por ser uma primeira experiência... Mas ela deu trabalho, viu? Não vai achando que é assim, não.

— Ei, eu vou ter que dar? Achei que você quem tinha que me proteger, mais velha de meia tigela... — Reclamou, revirando os olhos com discrição e deixando escapar um suspiro pesado. Não disse nada sobre o tal "lado bom", até pelo fato da loira a cortar quase de imediato, mas deixou escapar um sorriso torto em resposta. Fazer o que se ela a conhecia bem demais?

Enfim, digamos que... Não foi uma coisa muito boa, terem sido notadas por um barquinho mais, uh, chique. Deixa eu te falar; A loira até podia não ter percebido de imediato, mas com a ruiva não foi bem assim. Quer dizer - um arrepio incômodo correu por sua espinha assim que os olhos bateram não só nos homens, mas nas fardas dos benditos... E deixa eu te falar, já tinha tido sua conta de rangers nos últimos tempos para conseguir identificar de longe - e era mais fácil ainda quando um deles parecia especialmente desconfiado.

Que merda, viu?
Será que ainda dava tempo de decidir ir nadando?

— Ei, rapazes! — Cumprimentou com um sorriso gentil. Poderia até se preocupar com o fato de que alguém talvez a reconhecesse do resgate do contêiner, mas não achava provavel; Primeiro, nenhum deles parecia familiar. Segundo que, bem, estava disfarçada o suficiente para não passar perto de ser reconhecida por algum daqueles diabos. Não daquele jeito, não com tanta simplicidade. — Não sabia que sereios também davam em barcos... — Brincou, erguendo um pouco o tronco, ainda apoiada em seu eletrodoméstico enquanto a bonita da Bley já se apressava em tentar arranjar uma mãozinha pra dentro do barco. Tsc.

— Ah, na real, a gente adoraria uma carona! A gente queria explorar as ilhas coloridas, só que esquecemos que pode ser meio longe demais pra quem não tem barco, sabe? — Um riso sem graça, e a cabeça pendeu com sutileza para o lado, jogando alguns fios ruivos com o movimento. — ...bem, pra falar a verdade, a gente nem sabe direito onde é. Mas ouvimos falar que tem alguns pokémons estranhos praquelas bandas e a gente queria tentar a sorte, sabe? — Explicou, um riso gentil escapando da garganta. — Será que vocês podiam ajudar a gente?

...É. Agora, era torcer pra ser uma isca boa.